26 October 2007

SEM MÁSCARA, UM GRITO DE SOCORRO


Este Post vai ser uma perfeita anarquia.
Não vou nem relê-lo.
Vai sem máscara.
Sempre tive um imenso pudor em falar da minha vida no seu lado mais íntimo.
Só meia dúzia de pessoas sabem, exactamente como sou, como sinto, pelo que estou passando, aquilo que estou sofrendo.
Quando comecei este Blog, tive a ilusão que nele poderia pôr os meus mais íntimos pensamentos, dado que ninguém me conhecia.
Mas, com o passar do tempo, há ligações que se vão estabelecendo, empatias que se vão descobrindo, e aí, sempre volta na minha cabeça aquela frase repetida vezes sem conta pela minha avó inglesa que dizia "uma senhora não mostra as suas emoções em público". Então, vem-me sempre à cabeça uma terrível recordação de infância: A minha outra avó tinha uma quinta em Óbidos, e grande parte da minha infância foi passada na praia do Baleal, que não tinha nada a ver com o Baleal de hoje. Era uma aldeia de pescadores, onde as crianças como eu se misturavam com as crianças pobres que ali viviam. Não iam só passar férias.
Uma noite, fomos acordados pelos gritos desumanos de uma mulher, dita do povo, cujo filho se tinha afogado no mar, e que gritava com voz aguda aquele grito que bem conhecemos:" Ai o meu rico filho". E enrodilhava-se na areia, com um bicho.
Não dormi durante noites a fio, e ainda hoje, esse grito ecoa na minha cabeça.
Anos passados, muitos, o melhor amigo do meu filho mais velho, morreu num terrível acidente, quando o avião em que seguia se despenhou em Tires.
Teve honras de abertura em todos os telejornais, e a imagem que me ficou foi os ténis que tinha calçados, jogados um para cada lado, no meio dos destroços.
O funeral foi das coisas mais terrivelmente emotivas a que alguma vez assisti.
A mãe, dopada pela imensidade da perda, e espartilhada pela educação recebida, deixava rolarem-lhe pela cara lágrimas lentas e silenciosas. E nem, quando o corpo desceu à cova se descontrolou, e gritou: Ai meu rico filho.
Sofria ela menos que a outra? Não. Não acredito.
Ambas eram mães. Ambas eram mulheres.
Mas uma era genuína.
A outra estava condicionada desde a infância, a não mostrar as suas emoções em público.
E a mais espantosa manifestação disso a que assisti, foi no funeral do Prof. Sousa Franco, meu professor, quando a mulher, sem uma lágrima, na missa de corpo presente, fez o elogio do marido.
Todos nós, de alguma forma somos o resultado da educação que tivemos, da influência das ideias políticas dos nossos pais, das muitas viagens que fizemos ou do facto de nunca termos saído da santa terrinha.
Pomos então uma máscara, para que os outros possam ver em nós aquilo que querem ver.
Mas há dias em que não dá.
Há dias em que chutamos tudo para o alto, e pensamos: que se lixe. Outra coisa que uma senhora não faz:usar termos pouco educados.
E hoje é um deles.
Viver todos os dias cansa, alguém já escreveu.
E eu estou cansada.
Tudo aquilo que tenho escrito no meu Blog sou eu. Não há mentiras.
Mas há o reverso da medalha.

Há o dia, em que tudo o que está arrumadinho na minha cabeça, em gavetas meticulosamente fechadas, sai cá para fora, também eles, os conteúdos das gavetas, cansados de estarem fechados.
Hoje é o dia.
Estou cansada de viver.
De lutar.
De ser magoada.
De ser uma sombra que não se projecta na vida das pessoas que mais amo.
De ser incómoda.
As pessoas,têm os seus próprios problemas, e pagam para não levar com os dos outros.
Como escreveu Mário Quintana, que citei no Post anterior "Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?" ou, mais grave "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso." Já escrevi, já falei, já chorei e gritei, e ninguém me ouviu.
E hoje, absolutamente sózinha, percebi que é isso mesmo: Estou completamente sózinha à deriva num mar tempestuoso de vagas enormes, num pequeno barco a remos.
Não tenho vida, futuro ou esperança.
Os meus gritos de alerta ninguém ouviu, e os meus pedidos de socorro, ninguém percebeu.
E agora, hoje e aqui, capitulei.
Louca? Serei
Mas como disse o grande poeta:“ Em todos os manicómios há doidos, malucos com tantas certezas! Eu, que não tenho certeza nenhuma, sou certo, ou menos certo?”*.

2 nhận xét :

Sol da meia noite said...

Olha, sinto em mim, no meu percurso, ou dia-a-dia, como se queira chamar, cada palavra que aqui dizes. Às vezes interrogo-me: porque é que as pessoas não podem expressar livremente as suas emoções? Chama-se educação ao acto de ensinar as pessoas a serem contidas, logo, hipócritas...
Tanto haveria a dizer acerca deste teu texto. Apenas digo que este teu grito d'alma é o meu grito também.
*
P.S. Andei pelo teu anterior cantinho. Gostei imenso.

Alexandre said...

Impressionante o seu relato que me atingiu muito profundamente! Perder um filho penso que será das provações mais cruéis por que uma pessoa pode passar - mas há diferentes maneiras de o aceitar em público embora no fundo não haja quaisquer diferenças entre a mais simplória das pessoas e a mais sofisticada - essa comparação está perfeita, vista e escrita com o distanciamento possível mas abordada de uma maneira desinibida e correctíssima.

Obrigado pelo texto!

Muitos beijinhos!!!