21 October 2007

UMOJA-A ALDEIA DAS MULHERES


Umoja é uma vila situada no Norte do Kenya a 380 kms de Nairobi.
Foi fundada em 1991 e o seu nome significa “ União” em swahili.
Não existiria, e portanto não estaria em mapa nenhum se não existisse uma mulher chamada Rebecca Lolosoli.
Rebecca, uma indígena Samburu, hoje é conhecida como uma activista que defende os Direitos das Mulheres, já discursou nas Nações Unidas e sabe quem é Oprah.
Mas, melhor que isso, o Mundo sabe que ela existe.
Tudo começou há dez anos, e nada fazia prever que chegasse onde chegou.
Rebecca Samaria Lolosoli é uma mulher de idade indefinida que fundou a aldeia de Umoja, dando abrigo a outras mulheres que, como ela, foram ou são vítimas de violação ou de abusos sexuais, ou que querem fugir de casamentos forçados ou de uma escravidão diária.
Um dia, na sua aldeia, enfrentou o poder patriarcal e familiar ao decidir que o casamento de um irmão seu com uma rapariga de 13 anos não iria ter lugar. Agarrou na mão da menina, que tremia, e disse-lhe: “És uma criança. Ele é um velho. As mulheres já não têm de aturar este tipo de disparates.”
E ordenou ao irmão que regressasse a casa. Só.
Assim. Enfrentando tudo e todos.
E tudo começou assim!

Umoja é uma aldeia imaginada e construída por um grupo de 15 mulheres lideradas por Rebecca Lolosoli, que travaram uma dura luta com as autoridades britânicas para que se fizesse justiça por terem sido violadas, várias delas repetidamente, por soldados britânicos durante exercícios militares no Quénia, nos anos 80 e 90.
Algumas exibiram como prova os filhos mestiços. A justiça acabou por ser feita e pagas indemnizações.
Ainda assim, os maridos repudiaram-nas por elas constituírem uma mancha na sua honra de homens.
Abandonadas, decidiram fundar um lugar só para mulheres, Umoja, e viver pelos seus meios.
Passados 17 anos, vivem independentes, algumas com filhos nascidos de uniões recentes com os namorados que visitam a aldeia.
Quando as mulheres erigiram a aldeia de Umoja, os homens, que se sentiram abandonados construíram uma outra aldeia do outro lado da estrada, de forma a melhor poderem controlar as vidas e os actos das suas mulheres, noivas ou familiares que decidiram viver na comunidade feminina.
Como na cultura samburu não existe o divórcio, muitos dos homens irrompiam pela aldeia exigindo o regresso a casa das esposas.
Mas já tinham perdido qualquer hipótese de se imporem ao grupo das destemidas mulheres. Quando se tornavamm violentos face à resistência delas, as mulheres recorriam às autoridades locais.
A independência em Umoja faz com que sejam as mulheres a eleger os seus parceiros sexuais.
Uma delas afirmou alto e bom som: “Nós não dizemos que não precisamos dos homens. Somos humanas e temos as nossas necessidades. Mas os homens que aqui entram ficam por pouco tempo. São meros namorados.”

Rebecca fundou também o Movimento Umoja Uaso Women’s Group, uma organização que ajuda as mulheres que vivem numa pobreza extrema, sem acesso a qualquer informação sobre a Sida, sobre cuidados de saúde ou educação.
Sob a sua orientação, Umoja ensinou-lhes que existem os Direitos das Mulheres, que não têm que deixar que as mutilem genitalmente e que podem combater a violência doméstica.
Arranjou forma de se tornarem auto-suficientes quer economicamente, quer tendo acesso à Educação e a cuidados de Saúde.
O seu Movimento, hoje é membro da Indigenous Information Network in Kenya.
Ao contrário do que acontece na restante África, as mulheres circulam livremente em Umoja, sem receio de poderem ser assaltadas sexualmente. Segundo o relatório de uma ONG ao serviço da Organização das Nações Unidas, as distâncias extremas que as mulheres africanas são forçadas a percorrer para se abastecerem de alimentos, de água, ou de lenha para elas e para os filhos, propiciam as violações sexuais.
Alerta esse documento: “As mulheres têm de caminhar longas distâncias, por vezes no interior das florestas, apenas para encontrar água. Durante a caminhada elas são, muitas vezes, vítimas de violação.”
Até nisto, Umoja é um reduto de liberdade.
Rebeca Lolosoli e as suas companheiras de luta e de vida em comum têm motivos para se sentirem felizes. O que elas conseguiram é um pequeno paraíso comparado com a dramática realidade das demais mulheres africanas. Em Março deste ano, Alpha Oumar Konaré, presidente da Comissão da União Africana (UA), denunciou que a violência contra mulheres e raparigas em África atingiu níveis sem precedentes, e isto inclui a violação sexual de mulheres de todas as idades e de bebés menores de um ano. O exemplo de Umoja é difícil de repetir num continente onde se intensifica a feminização da pobreza e se dissemina de forma assustadora o vírus da Sida nas mulheres.
A independência adquirida pelas mulheres de Umoja tornou-as tão respeitadas que mulheres de outros pontos do Quénia têm procurado refúgio na aldeia, e a sua matriarca, Rebecca Lolosoli, participou numa importante conferência internacional sobre género e igualdade de oportunidades entre os sexos, realizada em Nova Iorque.
Lolosoli tem razão quando afirma: “Nós, as mulheres, estamos sempre debaixo dos homens. Tratam-nos como se não existíssemos. Só servimos para lhes dar filhos. É como se fôssemos propriedade deles, e, ainda por cima, somos maltratadas.”
Só que em Umoja isso já faz parte do passado e Rebecca Lolosoli garante que assim se irá manter.
Cerca de meia centena de mulheres vivem hoje em Umoja e passaram a subsistir de artesanato e de elaborados colares de contas que fabricam e vendem a mulheres samburu e a turistas que viajam para a Reserva Nacional de Samburu.
Estão ligadas ao mundo exterior pelas novas tecnologias, e até têm celulares.
Desde que passaram a viver pelos seus próprios meios, as mulheres de Umoja têm ganho proventos suficientes para subsistirem com os filhos e com os escassos homens que optaram pela “submissão” às leis da comunidade. Com as mulheres no comando, as crianças passaram a frequentar a escola da aldeia em vez de tomarem conta do gado, como ordenariam os homens se vivessem num outro lugar.
Rebecca Lolosoli disse ao The New York Times: “Temos visto tantas mudanças positivas nestas mulheres. Estão mais saudáveis e felizes. Vestem-se melhor. Dantes costumavam pedir alimentos. Agora, são elas que dão comida a outros.”
Sebastian Lesinik, o chefe da aldeia dos homens, quando Rebecca fundou a aldeia, afirmou: “ O homem é a cabeça e a mulher o pescoço. Ora, a cabeça não pode receber ordens do pescoço.”
Rebecca chegou a ver a sua vida ameaçada, mas hoje, ele próprio reconhece que ela ganhou. “ Se calhar temos algo a aprender com o pescoço. Nem que seja um bocadinho “. Tudo está a mudar, sobretudo por causa de mulheres como Rebecca, que são verdadeiras “ Troublemakers”.
Depois de ler tudo isto, e de ter tomado conhecimento desta realidade, e sabendo o que se passa no nosso País, onde mulheres ainda se referem ao acto de ter relações com os maridos, como” Ele serviu-se de mim” e que não têm a menor ideia por onde nascem as crianças, pensando que a urina sai pelo mesmo sítio, onde as crianças são espancadas, por vezes até morte, só posso sentir um enorme sentimento de vergonha.
Afinal nós temos todos os meios à nossa disposição.
E não fazemos absolutamente nada.
É um facto que deveria ser o governo a fazê-lo, mas se não faz, todos nós nos deveríamos tornar Troublemakers.

Rebecca Lolosoli tem um site onde pede apoio e ajuda financeira ao seu louvável projecto em www.jambosafaris.com/umojacharity.htm.
Tem uma loja on-line de venda de artefactos destas mulheres, cujos proventos revertem a favor da causa, que pode ser consultada em www.samburucouncil.co.uk.
Os contactos com Lolosoli podem ser feitos através do e-mail paranlolo@africaonline.co.ke.



Este Post foi redigido com informação recolhida em:Edições on-line de The Washington Post, The New York Times, BBC News, Organização das Nações Unidas, União Africana e site de Leigh Day & Co.

6 nhận xét :

PoesiaMGD said...

Um óptimo trabalho!
Um abraço
goretidias
Escritartes.com

Alexandre said...

Acho espantoso como há mulheres nesses países que conseguem enfrentar os homens! Têm uma coragem enorme, se comparadas com as mulheres ocidentais! Tenho muito respeito por todas as mulheres - mas muito em especial pelas dos países do 3.º e 4.ºs mundos pois só de pensarem elas correm risco de vida!

Excelente post, excelente tema de uma causa que eu desconhecia!

Muitos beijinhos!!!

Filoxera said...

Grande lição, a que nos trouxeste hoje! Parabéns! Continua.
Um beijo.

Filoxera said...

Na segunda pessoa do singular, o comentário saberia melhor (ainda por cima temos idades próximas). Mas gostei. Obrigada.
Um beijo.

Jasmim said...

Olá
Obrigada pela svisitas e pelas mensagens...
Fico espantada com as coisas que tu sabes. Este post é divinal.
Jocas

Sol da meia noite said...

Sempre disse que ninguém é de ninguém. Até que um dia em conversa com um amigo, ele ainda foi mais longe ao dizer que ninguém é coisa de ninguém.

Gostei do texto. Algo que desconhecia.

Beijinhos!