2 December 2007

NATAL- QUERO O PASSADO NA MINHA ALGIBEIRA


Na minha família o Natal começa a 1 de Dezembro.
É uma tradição de que me lembro desde que nasci.
Desde aquele Tempo que no dia 1 a minha mãe trocava as loiças normais pelo serviço de Natal que já vinha da minha bisavó, decorava a casa toda, fazia a àrvora de Natal e o Presépio sem o Menino Jesus que era eu que punha cuidadosamente à meia noite, depois de virmos da Missa do Galo.
Naquele tempo, o Natal era passado na quinta da minha avó, perto de Óbidos, onde toda a família se reunia.
Só tios eram 5, mais as minhas tias e todos os meus primos.
A avó sentava-se na cabeceira da mesa, ladeada pelo filho mais velho de um lado e a mulher do outro e assim sucessivamente, e depois as crianças: eu e os meus primos.
Comíamos o bacalhau cozido e íamos a pé até à Igreja da aldeia à Missa do Galo, onde tínhamos lugar reservado nas primeiras filas.
Quando voltávamos, lá ia eu pôr o Menino nas palhinhas no Presépio, e fazíamos a Ceia com todos os doces típicos da época.
Naquele tempo, punhamos os sapatinhos na chaminé, acordávamos quase de madrugada e íamos a correr ver se os presentes já lá estavam.
Tinhamos o almoço de Natal com o perú assado no forno de lenha e recheado a preceito, e comíamos toda a doçaria.
Hoje, repetindo os gestos da minha mãe, troquei as loiças, decorei a casa, fiz a àrvore e o presépio, e de repente senti uma enorme nostalgia desse tempo.
De toda aquela enorme família já só restam os meus pais e o Natal na cidade não tem nada a ver com os Natais daquele tempo.
Repudio veementemente a frase ouvida amiúde de que o Natal é para as crianças.
Não é.
Pelo menos para mim.
Eu quero o meu Natal de volta. Quero ser pequenina outra vez, quero acreditar no Pai Natal, quero pôr o sapato na chaminé.
Foi então que me lembrei de um poema de Fernando Pessoa que tem a ver com o Aniversário, mas hoje, apetece-me adaptá - lo ao Natal.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Quero o passado na minha algibeira.

10 nhận xét :

Oliver Pickwick said...

Ei baby Velvet, o Natal pegou mesmo você, hein garota? Não me surpreende, esta data é contumaz em exercer verdadeiro fascínio sobre os pequeninos. E, até aonde eu sei, você continua pequenina, senão no tamanho, mas na capacidade de preservar valores ainda essenciais, geradores de bem-estar, alegria, e compartilhamento entre entes queridos. Não estou me referindo a nenhum sentimento de nostalgia, porém, ao presente, onde você, pequena Velvet, vibra com a troca da louça, os enfeites característicos, os presentes, dentre outras coisas boas.
Sou agnóstico, mas nem por isso os dias de Natal deixaram de constar entre os mais felizes da minha vida, e, passaram-se sempre, isentos de consumismos exagerados, todavia, reunido com as pessoas que mais tenho aproximação, meus parentes - os quais são muitos, e os amigos mais queridos.
Portanto, pequena Velvet, Carpe Diem, siga o seus instintos, e não tenha receio de escrever a tradicional carta para o Papai Noel pedindo uma boneca ou uma bicicleta.
Um beijo, e tenha um Feliz Natal, uma vez que o seu já começou.

Sol da meia noite said...

Entendo a tua nostalgia, também a sinto.
E desejo que tenhas um feliz reencontro com o "teu" Natal...

Beijinhos

Pekenina said...

Adoro Fernando Pessoa. Quero a Felicidade na minha algibeira =P Sê Feliz *

Olá!! said...

Também eu queria... Que saudades tenho do Natal sentido...

Filoxera said...

Ainda hoje algum anónimo escreveu no meu blog que o passado é o passado. Claro, mas o nosso presente é, também, o nosso passado. Porque nós somos o hoje e o ontem, as nossas vivências caracterizam-nos e condicionam o nosso estado de espírito, a forma como vemos as coisas, as nossas expectativas.
É bom querermos o passado na nossa algibeira; é sinal vivemos momentos felizes. É bom confiarmos no futuro: é sinal que podemos divorciar-nos de pessoas e de coisas, mas não da vida.
Um beijo e um xi, amiga.

*Um Momento* said...

Até eu gostava de sentir o verdadeiro Natal no coração de cada um
Adorei ler-te:)))))
Desejo tudo de muito bom!!!!
Beijo imenso!!
(*)

Luís Galego said...

Quero o passado na minha algibeira.


tão, mas tão bonito todo o texto...

Xana said...

Que sentido, e intenso de lembranças..teu texto. Nosso presente também é nosso passado.
...Meu presente,e nesta data é de nostalgia, e lágrimas...

Adorei ler-te!Obrigada pela partilha...

PS: Deixei um desafio para ti no meu blog, aparece ;)

Beijo meu

FM said...

O Natal é realmente um enorme despertar de emoções...

Sky Walker said...

Consegui rever-me na tua descrição de Natal. No passado realmente era assim... neste momento o consumismo invadiu a casa das pessoas, as cabeças. O coração? Parece que foi esquecido... aliás aquilo que festejamos é um aniversário e a maior parte das pessoas esquece-se do aniversariante...
Gostei de te ler