Eu cheguei lá em forma de envelope.
Um papel com textura macia e de um azul clarinho, bonito.
O carteiro deve ter-me entregue pessoalmente e só ele pôde ver aquele sorriso bonito estampado no rosto dela.
Naturalmente os olhos ficaram apertados de alegria e a face corada, como ficava quando a timidez me permitia desabrochar sentimentalidades, mesmo que confusas ou certeiras demais. Porque nem sempre eu guardava tudo o que me sacudia, mas uma vez por outra recuava algumas nas atitudes, para evitar reacções negativas.
Ela desligou a chaleira que fervia a água para fazer chá - ela faz sempre chá a meio da tarde - foi para o quarto e sentou-se na beirinha da cama.
Um papel com textura macia e de um azul clarinho, bonito.
O carteiro deve ter-me entregue pessoalmente e só ele pôde ver aquele sorriso bonito estampado no rosto dela.
Naturalmente os olhos ficaram apertados de alegria e a face corada, como ficava quando a timidez me permitia desabrochar sentimentalidades, mesmo que confusas ou certeiras demais. Porque nem sempre eu guardava tudo o que me sacudia, mas uma vez por outra recuava algumas nas atitudes, para evitar reacções negativas.
Ela desligou a chaleira que fervia a água para fazer chá - ela faz sempre chá a meio da tarde - foi para o quarto e sentou-se na beirinha da cama.
O azul das paredes parecia mudar para um azul também clarinho, como o do envelope, como um degradé, e sem entender o porquê da minha visita... ela rasgou-me.
Com os mesmos dedos finos e macios com que me acariciava os cabelos quando o sono baixava as pálpebras e me fervia os pensamentos que não passavam, por um triz, dos pensamentos dela... muito embora eu quisesse.
Certamente ela tinha sentimentos sinceros e mais leves que o meu e na certa não sofria como sofro.
E então, ela puxa-me sem medo, do todo. Talvez tenha pensado que eu teria chegado em forma de envelope apenas como mais um dos meus mimos.
E eu cheguei com o cheiro do mesmo perfume que uma vez ela disse ser bom.
Tudo que tinha dentro de mim de azul, foi posto em vermelho, para intensificar o que sentia todos os dias e me fazia faltar o ar.
Então ela segura-me com toda aquela delicadeza que só ela tem.
Passa pausadamente os olhos bonitos de sempre, com uma única certeza, a de não estar a perceber nada sobre a minha súbita visita, apesar de eu ter lhe arrancado um leve sorriso a princípio.
Com os mesmos dedos finos e macios com que me acariciava os cabelos quando o sono baixava as pálpebras e me fervia os pensamentos que não passavam, por um triz, dos pensamentos dela... muito embora eu quisesse.
Certamente ela tinha sentimentos sinceros e mais leves que o meu e na certa não sofria como sofro.
E então, ela puxa-me sem medo, do todo. Talvez tenha pensado que eu teria chegado em forma de envelope apenas como mais um dos meus mimos.
E eu cheguei com o cheiro do mesmo perfume que uma vez ela disse ser bom.
Tudo que tinha dentro de mim de azul, foi posto em vermelho, para intensificar o que sentia todos os dias e me fazia faltar o ar.
Então ela segura-me com toda aquela delicadeza que só ela tem.
Passa pausadamente os olhos bonitos de sempre, com uma única certeza, a de não estar a perceber nada sobre a minha súbita visita, apesar de eu ter lhe arrancado um leve sorriso a princípio.
Sei que no início seria de uma estranheza maior do que a que me possui, mas eu não podia silenciar, não desta vez.
E com palavras alheias, descrevi o que era fumegante e bonito, de uma beleza que eu jamais poderia partir sem antes dizer:
"Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inutil"*
e...
eu fui, mas deixei com ela o envelope e tudo o que crescia em mim, mesmo que sem o seu consentimento.
*Excerto de um poema de Fernando Pessoa
E com palavras alheias, descrevi o que era fumegante e bonito, de uma beleza que eu jamais poderia partir sem antes dizer:
"Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inutil"*
e...
eu fui, mas deixei com ela o envelope e tudo o que crescia em mim, mesmo que sem o seu consentimento.
*Excerto de um poema de Fernando Pessoa
9 nhận xét :
Que se ponha à tabela porque pode ser condenado à extinção...
Abreijos.
E depois de uma carta de amor como esta, carregadinha de fortes emoçoes, só queria também ter visto a cara dela.
E ainda o senhor Pessoa, dizia que as Cartas de amor eram Ridículas!
Estas visitas vestidas de azul-claro são sempre bem-vindas. Normalmente raras, nos tempos que correm.
Belo texto!
Bjs
Ainda escrevemos cartas de AMOR RIDÍCULAS... onde se pousam lábios em folhas perfumadas!....
..
Beijinhos
Cartas de AMOR!!!Como eu as adorava de escrever e receber.
Minha Srª Drª, como é essa de e se fosses Homem?
Eu se tivesse sido Mulher, deveria ser a maior Desavergonhada do mundo!!!
Sobre as tuas palavras, isto parece-me que não vai mesmo ter salvação.
BFDS, com alegria..
Nos primeiros tempos, lá na aldeia, o carteiro vinha de bicicleta (os que a tinham) e batiam palmas ao portão chamando pelo nome que vinha na correspondência.
Hoje, a menina que bate à porta do prédio, é formada em alguma coisa que não conseguiu emprego, vem dirigindo uma carrinha vermelha e leva dois segundos para despejar tudo o que traz nas caixas individuais. É mais ou menos assim: vem aí a rapariga...já foi. hehehe Isto é aí.
O daqui é cegueta e deixa as correspondências erradas.
boa tarde Blue, e vai a Coimbra quando puderes.
Cartas de amor... quem as não tem!
Bonito, só podia ser obra do grande senhor Pessoa.
Hoje deu-me p/ andar a visitar os amigos da net, tenho andado distante mas espero passar cá mais vezes, bjnhs querida blue.
Excelente, a tua criação a partir do excerto do Pessoa, ou incluindo o excerto do Pessoa: tons suaves para afectos antigos, em gestos já quase esquecidos. Belo...
Belíssima ideia a tua, pôr Pessoa a escrever uma carta de amor tão bonita...
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