23 December 2008

É NATAL


Desde muito pequena que dou às palavras Terra e Tradição uma grande importância. Terra como origem, como princípio, como raízes. Tradição como valores.
Tenho para mim, e pasme a vizinhança que julga que sou muito "prá frentex", que sem valores uma sociedade não tem hipótese de subsistir. E na base da sociedade tem que estar a Família, o respeito pelos meus velhos e pelos seus ensinamentos e a Civilização como sinónimo daquilo que nos identifica.
Felizes de nós os que podemos olhar para trás e saber de onde viemos, ter maravilhosas recordações de infância e que soubemos perpetuá-las nos nossos filhos.
Alfacinha de gema, bem pequenina adoptei duas outras terras como minhas: as do nascimento dos meus pais.
Se por um lado a família da minha mãe era pequena, a do meu pai era enorme. Os meus avós paternos tiveram 5 filhos, que com as respectivas mulheres, maridos e filhos formaram uma grande e feliz família.
Naquele tempo, a 23 de Dezembro todos rumavam a uma aldeia minúscula perto de Óbidos que pertencia praticamente toda à minha família. Já os meus avós também tiveram muitos irmãos, pelo que entre tios-avós e primos éramos realmente muitos.
A casa dos meus avós situava-se numa quinta a perder de vista, com animais e terra de cultivo.
A casa era enorme, com um quarto para cada filho e quartos para todos os netos, além dos de visitas.
Nos da família ninguém ficava alojado, excepto os próprios. Os meus primos dividiam os quartos a dois, e eu, a única menina no meio de todos os rapazes, tive direito a um só para mim: era o quarto da princesinha.
Nessa casa duas divisões eram particularmente grandes e importantes: a sala que já então era sala-comum, e a cozinha.
Esta exercia sobre mim um fascínio especial. Sobretudo por causa do fogão que era de ferro, com muitas portas, umas maiores outras pequeninas, com fechos em cobre sempre muito brilhante.
Era um fogão a lenha e mesmo quando anos mais tarde a ele se juntou um fogão moderno, era naquele que continuavam a fazer-se as comidas de Natal.
A alegria do reencontro, as tropelias das crianças, o calor familiar deixaram-me memórias de um tempo que passou mas que continua vivo dentro de mim.
Depois de instalados, as crianças iam brincar, ver os animais, correr pela quinta, enquanto os adultos preparavam o Natal.
Os homens escolhiam os vinhos e as mulheres afadigavam-se na cozinha juntamente com as empregadas, preparando o bacalhau, as couves, os perús e sobretudo os doces.
Supervisionando tudo estava a figura doce mas firma da minha avó Francisca.
Na sala, a àrvore de natal e o presépio esperavam por nós e era à volta deles que eu e os meus primos nos sentávamos em roda para conversar.
O presépio era feito dia 1 de Dezembro pelo meu tio e padrinho de baptismo e era o mais bonito que alguma vez vi. Tinha àgua a sério debaixo das pontezinhas por onde passavam as figurinhas que iam visitar o Menino, areia verdadeira no adro da igreja e musgo que era apanhado por mim e pelos primos na quinta, com faquinhas próprias. Cortávamos com cuidado as placas de musgo e punhamos nos cestinhos que nos eram distribuídos. Depois ajudávamos o meu padrinho a fazer todo o presépio. Era sempre com pena que voltávamos para Lisboa para o rever no Natal.
Na noite de Natal sentávamo-nos na enorme mesa, a minha avó numa cabeceira e o meu pai na outra, por ser o filho mais velho e o meu avô já ter falecido.
O jantar era o típico bacalhau com couves seguido dos mais variados doces: as filhoses de abóbora que eram batidas pela minha avó e ficavam a levedar junto do fogão durante o jantar, os sonhos, o arroz-doce e a aletria, as broas de mel, castelares e de espécie, o bolo-rei, as azevias com doce de gila, os formigos as rabanadas e os bolinhos de jerimú..
Depois do jantar toda a família se dirigia a pé para a capela que era aberta no natal para a missa do Galo.
Tenho a certeza que foi dessas missas do Galo, com a Capela toda iluminada com velas, que me ficou a verdadeira paixão que tenho por elas.
Mas, por maior que fosse a alegria com que viviamos todos estes momentos, nada se comparava com a excitação com que todos punham o sapatinho na chaminé, antes de ir para a cama.
Crianças e adultos alinhavam um sapatinho na imensa lareira da sala, onde, pela manhã os presentes apareciam, miraculosamente, amontoados.
Só muitos anos mais tarde vim a descobrir que o segredo de tudo o que queríamos aparecer, se devia à troca de listas entre toda a família, pelo menos um mês antes do Natal.
Desse tempo guardo a imagem da minha avó distribuindo os presentes, o cheiro dos doces e a luz especial que essa época tinha.
E a família toda reunida.
Hoje, embora o núcleo familiar seja bem mais pequeno e o Natal seja vivido na minha casa que nem em sonhos se aproxima em tamanho dessa que guardo como a casa da família, existe o mesmo espírito, a mesma Luz e os mesmos cheiros.
Existe uma avó, que por coincidência se chama Luz e é a luz que nos inspira ao longo do ano.
Um avô que herdou da mãe o segredo da receita das filhoses de abóbora e que as bate como ela fazia.
Uma família que faz questão de se juntar, mesmo que para isso um dos membros tenha que apanhar um pássaro gigante e atravessar um oceano para estar presente.
Para encontrar os mesmos cheiros, os mesmos sabores e algumas das figurinhas do presépio da minha infância.
A Tradição está viva entre nós.

19 nhận xét :

Si said...

As histórias de infância estarão sempre ligadas ao Natal e à magia da época.
Excelente texto e grandes recordações, que me fazem voltar a lembrar o registo destes momentos no meu Diário, sobre a minha avó 'Quina....
Beijinhos e FELIZ NATAL

Patti said...

Adorei este post Blue, mas tu já deves saber.
Muito bonito todo este espírito, memórias e sentimentos.

Obviamente que o nosso Natal já não é assim, mas é bom que nos mantenhamos com a cabeça para cima.
É sempre a melhor atitude, até na adversidade e tu foi o que fizeste durante este mês com posts, que se calhar até te custaram a fazer, mas não os deixaste de postar.

So a fatalidade e a falta de saúde nos devia impedir a felicidade, mais nada.

"os sonhos, o arroz-doce e a aletria, as broas de mel, castelares e de espécie, o bolo-rei, as azevias com doce de gila, os formigos as rabanadas e os bolinhos de jerimú.." Adorei e já engordei por telepatia.
Sim, que eu nesta altura do ano, marcha tudo o que é frito, açúcar, ovos e afins!

Beijinhos Blue Velvet e um feliz e santo Natal e um 2009 pleno de coisas boas e que lutes por elas, por muito pequenas que possam ser.

BlueVelvet said...

Patti,
obrigada pelas tuas palavras.
Como vizinha de patamar, sabes que, de facto, alguns não foram fáceis.
Mas é Natal, e só uma vez no ano.
Resolvi seguir o teu conselho e pensar nos problemas depois.
Esta época é para manter intacta.
Quanto aos doces, tu não me enerves, ó rapariga sem vergonha. Comes tudo e não engordas nada.
Como diria a minha avó( mas olha que era carinhoso), és de má raça.
Pois acho que isso é mesmo é boa raça. LOL
Beijinhos vizinha

FM said...

O que te desejo neste Natal?
Que faças alguém Feliz.
Se o conseguires, estou certo,
sentir-te-ás Feliz em dobro e, vê lá tu, a Felicidade ficará distribuída por mais do que uma só pessoa.
Mais, essa Luz poderá transformar-se num acontecimento em "cadeia" e levar a alegria a muitos mais...
Pensa nisso.
Natal, acredita, é... Agir.
Sê Natal.
Francisco Moreira

fj said...

Passei para deixar beijinhos e votos de um Bom Natal, para ti e toda a familia.

BlueVelvet said...

Si,
pois foi o seu texto que me fez lembrar tudo isto, como lhe disse.
beijinhos e Boas Festas

BlueVelvet said...

Francisco,
é isso que tento sempre fazer:ser Natal e fazer algumas pessoas felizes.
Obrigada por teres passado aqui e aproveita o teu Natal que decerto vai ser especial, com o novo Anjo que habita a tua casa.
Beijinhos natalícios

BlueVelvet said...

fj,
obrigada.
Muito Boas Festas para ti também e todos os que te são queridos.
Veludinhos natalícios

Maria said...

Fiquei quase a salivar com a descrição dos petiscos...
Sabes que a minha casa era também enorme, só que na cidade mais perto dessa da aldeia.
Será que alguma vez nos cruzámos nos jardins ou nas lojas onde os nossos pais compravam o necessário para a ceia de Natal? Ficarei sempre por saber.
Mas conheço a tua aldeia, como conheces a minha cidade.
E os cheiros. O cheiro a forno de lenha. As filhozes. As rabanadas. E tudo o resto, que já não há.
Hoje não há pais, nem tios, muito menos avós.
Hoje tenho apenas os primos, e somos tantos, e algumas crianças e as memórias, sempre as memórias...

Um beijo sempre vermelho

Anonymous said...

Este ano vou conhecer a tradição albicastrense, aliás, como estou aqui desde Domingo, tenho estado dentro dum autêntico roteiro turístico e gastronómico. (o mais chato é que esta gente acha que para ficarmos satisfeitos temos de nos atafulhar em comida até mais não) (nunca pensei provar tantas especialidades em tão pouco tempo, e ainda faltam a consoada e o dia de Natal) (enfim)

Com pouco tempo, como deves calcular, boas festas

Uma beijoca

:)

KING SOLOMON said...

"Felizes de nós os que podemos olhar para trás e saber de onde viemos, ter maravilhosas recordações de infância e que soubemos perpetuá-las nos nossos filhos."

Que "riqueza" enorme!

carlota said...

Eu tambem tenho recordações maravilhosas dos Natais passados em casa da minha avô. Eram Natais perfeitos e cheios de magia.
Nós tb colocavamos os sapatinhos na chaminé e o presépio lá de casa tambem tinha água e até tinha uma nora, era tão lindo.
Na minha familia tambem tentamos conservar e manter o espirito mas creio que Natais como na casa da minha avó, nunca mais terei.
Um beijinho

1/4 de Fada said...

Querida Bluevelvet, este é o Natal de que eu me lembro de viver em casa dos meus avós e depois em casa dos meus pais. É assim que O Natal tem sentido para mim e que, pelo menos por um dia, consigamos esquecer o que se passa à nossa volta...
Muitos beijinhos.

vovó said...

fizeste-me voltar à minha ilha... à minha casa, grande, grande...
obrigada!
Bom Natal!
beijocassss
vovó Maria

Carminda Pinho said...

Boas Festas, amiga.

Beijinhos

De dentro pra fora said...

Ainda conseguimos juntar nos todos (os irmãos)somos 9 por isso já ves com filhos alguns já com netos, o espirito continua, mesmo apos a morte do meu pai que por acaso aconteceu dois dias apos o natal de á onze anos atras...mas seguimos, continuamos a juntar nos pois era o que ele mais gostava..ver os filhos todos juntos

Beijinhos, e um Santo Natal

ematejoca said...

Saudações natalícias da amiga virtual de longe!

LopesCaBlog said...

Feliz Natal!

Filoxera said...

Que bom, avós e avôs! Nunca tive essa sorte. Os teus filhos têm bons Natais graças a ti e aos avós.
Pensenmos neles.