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19 September 2008

ÔNIBUS 174

Escrevo ainda debaixo da emoção com que vi a 1ª parte de um filme cuja apresentação anunciaram na Sic há uns dias, e que quando vi disse para mim própria:
- Tenho que me lembrar de não ver.
Mas por uma qualquer coincidência, eu que raramente vejo televisão, estava em frente do écran quando o filme começou.
E como começa com imagens da Cidade Maravilhosa sentei-me " só para ver o início".
Mas fiquei agarrada desde os primeiros minutos.
À medida que o filme ia avançando fui ficando cada vez mais angustiada e presa, até ao fim.
Primeiro filme de José Padilha, realizador de "Tropa de Elite", "Ônibus 174" (2002) nasceu como alternativa à versão que as televisões e a imprensa deram do caso, contado do ponto de vista da polícia ou das reféns. Não houve qualquer tentativa para explicar a atitude do sequestrador, e foi isso que Padilha foi investigar.
O filme começa com a câmara a sobrevoar os morros e paira sobre uma vertigem de favelas.
Se esta é a cidade de Deus, Deus deve sentir-se pequenino.
Mas não é um filme sobre o sequestro de um autocarro no centro do Rio de Janeiro.
É um filme sobre como toda uma ordem social gera violência. Mostra como a violência é um recurso para alcançar visibilidade, existência social: a luta do sequestrador, como a de todos os meninos de rua, diz a certa altura um sociólogo entrevistado no filme, é "contra a invisibilidade".
A 12 de Junho de 2000, o Brasil assistiu em directo, e durante mais de quatro horas, ao sequestro do autocarro 174, no Rio de Janeiro. As forças da polícia foram incapazes de isolar a área, as imagens que as equipas de televisão registaram não podiam estar mais perto do rosto do sequestrador. Uma refém escreveu num dos vidros, a bâton: "ELE VAI MATAR GERAL ÀS 6HS". A presença das câmaras paralisou a polícia (um tiro certeiro no crânio não resultaria muito bem em televisão, porque iria espirrar miolos nos vidros, diz um dos polícias...) e mobilizou o sequestrador, que ameaça: "Isto aqui não é filme de acção, não! É para o Brasil ver mesmo..."Assim, quando ele dispara um tiro no interior do autocarro sobre um alvo invisível parece "bluff " - e é "bluff "...A biografia de Sandro, o sequestrador, é um desastre. A mãe foi degolada à sua frente quando ele tinha 8 anos, pai não conheceu, a palavra avó não tinha significado para ele. Com 8 anos tornou-se um menino de rua. Sobreviveu ao massacre da Candelária.
Durante anos deambulou por ruas e prisões cariocas, reunindo condimentos para um cocktail explosivo que culminou com o sequestro do autocarro. Sandro do Nascimento é o perfeito exemplo dos meninos "invisíveis", que estão por todo o lado, mas ninguém os vê, ninguém os quer ver, ninguém os ouve, ninguém os quer ouvir, mas todos sabem que existem... Sandro do Nascimento era um dos muitos malabaristas de rua que tentam, em vão, chamar a atenção de todos os que passam.
Como escreveu o cronista e cineasta Arnaldo Jabor:
"Ônibus 174, além de ser um dos melhores filmes de nosso cinema, é um crescimento para nossa consciência política. Vejam esse filme, vejam esse filme, chorem com ele! Falem para todos que não dá mais pé vermos o show da miséria que começa com menininhos fazendo malabarismos nos sinais de trânsito e termina tratando-os como ratos mortos à nossa frente."
E eu chorei sim. Chorei por ele e por todos os meninos de rua, sejam eles do Rio de Janeiro ou de Lisboa. Que também os há.
E achei ridículo que para apaziguar as nossas consciências, ponhamos selos nos nossos blogs clamando por Darfur, pela independência do Tibete, pelos refugiados, mas viremos a cara às crianças que na nossa cidade estendem a mão à caridade à porta dos supermercados ou nos semáforos enquanto vendem pensos rápidos.
Devemos chorar sim, por eles e por nós, que somos todos tão bonzinhos mas não fazemos nada para ajudar, não abdicamos de nada nem do supérfulo e quando chega a altura, o extermínio seria no entender de muitos se não da maioria, a melhor solução.
Como diz Arnaldo Jabor "Vejam esse filme, vejam esse filme, chorem com ele!"
Nota: Escrevi este post recorrendo a algumas notícias da net