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25 November 2008

O PRÍNCIPE


Isabel sempre sonhou em casar. Aos seis anos, qualquer toalha de mesa se transformava num vestido. Aos nove, obrigava os meninos do colégio a subir ao altar. Cada dia era um. Para poder escolher.
Ficava horas a imaginar o seu príncipe. Ele até variava no tipo: podia ser louro, moreno, grande ou pequeno. Mas sempre montado num cavalo branco e salvava-a de um perigo.
E invariavelmente, terminavam na igreja.
Quando começou a namorar, assustava os meninos. Logo no primeiro encontro já queria decidir o nome dos filhos. Para perder a virgindade foi uma novela mexicana. Ela queria casar pura, mas percebeu que isso podia demorar demais.
Por isso escolheu a dedo. Só poderia ser com aquele. Esperou que os pais fossem viajar, comprou velas, vinhos, incensos. Claro que não foi bom. Mas espalhou que foi perfeito.
Na faculdade, começou a namorar sério. Fez até o enxoval. Sem ele saber, obviamente. Tudo corria às mil maravilhas. Até o namorado descobrir que ela tinha reservado a igreja. Quase acabaram tudo. Mas só acabou de vez mesmo, quando ela começou a pensar em pagar a prestações o vestido de noiva.
Já estava a ponto de desaminar.
Aí “Ele” apareceu. Era sueco. Loiro, alto. Perfeito. O príncipe encantado. Apaixonaram-se imediatamente. Com medo de o perder evitou falar em casamento. Nem acreditou quando ele tocou no assunto. Como ia regressar a casa, casar era a única forma de continuarem juntos. Combinaram tudo. A cerimónia seria daí a dois meses. Foram os dias mais felizes da vida dela. Queria que tudo fosse exactamente como sonhava. Reservou a igreja, mandou fazer o vestido, compraram as alianças. Convenceu o pai a pagar a festa. Para estar em forma começou um regime radical. Só comia, alface, brócolos e ovos cozidos.
Isto sem falar nas decisões a tomar. Largou o emprego, vendeu o carro. Agora só faltava o sim.
A uma semana do casamento, começou a sentir-se estranha. A empolgação tinha acabado. Não conseguia dormir. Não queria comer. Estava triste como nunca se sentira na vida. Achou que fosse uma coisa passageira. Mas piorou. Não parava de pensar que tudo ia mudar para sempre. Ia tornar-se esposa. Acordar com ele todos os dias. Ter filhos.
Na véspera do grande dia, entrou em pânico. Num acto que misturou ousadia e desespero, terminou tudo.
O namorado ainda riu. Achou que fosse brincadeira. Não era.
Depois de uma vida dedicada às bodas, concluiu que não queria.
De nada adiantaram as súplicas dele. Nem a vergonha da mãe ou o prejuízo do pai que já tinha pago tudo adiantado. Ela estava decidida. E assim foi.
Durante meses a fio, o assunto casamento ficou proibido. Se alguém perguntasse o que tinha acontecido ela virava as costas.
Mas aos poucos a poeira foi baixando.
Quando deu por si, já estava novamente a fazer planos. Imaginando seu príncipe. Mas agora ela sabia do que realmente gostava.
Era de sonhar.

17 August 2008

PORTUGUÊS SUAVE

Hoje o assunto prende-se com leituras e livros. Porque já tinha pensado escrever sobre isto, e agora vem a propósito porque nos últimos dias andei a falar de livros com uma vizinha.
Embora tenha aprendido a disfarçar educadamente certas reacções menos próprias em sociedade, confesso que tenho muita dificuldade em não fazer cara de espanto e algum "disgust" quando alguém me diz que nunca leu um livro.
Porque ler faz parte da minha vida desde que aos 4 anos a minha avó me começou a ensinar a juntar as letras e não imagino a minha vida sem livros.
Lendo aprendo, sonho, evado-me, apaixono-me, sofro, rio, enfim, vivo.
E tenho para mim, que quem não lê, entre outras coisas, não pode escrever. Não é possível.
Mas já a contrária não é verdadeira.
Não é porque se lê muito que se consegue ser escritor/a. Mesmo que se escreva muito bem, pode faltar-nos um certo quid que não nos permite imaginar o enredo, pôr as personagens a falar, entrecruzá-las e dar um fio condutor à meada que nos conduz ao fim e que faz sair dos nossos dedos, um livro.
Eu que o diga, que tenho o título ( ou tinha, mas isso é outra história), os personagens, a história mas não há meio de pôr tudo isto em forma de livro.
Isto leva-me a outra questão:
Quem escreve um livro é um escritor/a?
Eu acho que é. Pode ser bom ou ser mau, mas quem escreve um livro é um escritor.
Ora a que vem isto tudo?
A propósito de uma data de pseudo intelectuais que nunca escreveram uma porcaria de uma linha e se encanitam todos contra alguma literatura a que chamam " cor-de-rosa", embora muitas vezes seja bem cinzenta.
Isto dito, quando há uns anos a Margarida Rebelo Pinto escreveu "Não há Coincidências" lembro-me de ter lido o livro de uma penada e de me ter divertido imenso. Afinal ler também tem um fim lúdico.
Embora o livro tenha sido um sucesso de vendas, quer esse quer os que se lhe seguiram, foram atacados de tal forma que era preciso ser muito corajoso para comprar e ler um livro dela.
Sobretudo se fossemos conotados com pessoas cultas, o melhor mesmo era mandar alguém comprar o livro por nós, para não nos olharem com um certo desdém.
Eu própria confesso que comecei a olhar a fininha de lado.
Acontece que me ofereceram o seu último livro, de título "Português Suave" que ainda pensei trocar, mas depois decidi ler.
Porque não? Também não vem daí mal ao mundo, pensei eu.
E li.
E gostei. Assumo que gostei e quem não gostar que eu tenha gostado, azar.
Primeiro tem que ler e depois dizer-me por que não gostou.
Do meu ponto de vista, é o seu livro mais conseguido.
Mais maduro, com um trabalho de pesquisa muito bem feito e com um enredo interessante.
Mas do que mais gostei foi do retrato das épocas e da descrição da forma de viver de certas camadas sociais.
Aquilo é a realidade. Pode ser uma realidade fútil, uma realidade doente, uma realidade na qual não nos revemos.
Mas é a realidade.
Como ela escreve a certa altura, " Confesso que cheguei a invejar-lhes a vida organizada e ordeira, os filhos sossegados e disciplinados, aquele modelo muito burguês, muito português suave, a que o Alexandre O'Neill chamava a alegria sonâmbula, a vírgula maníaca do modo funcionário de viver, tão morno, tão brando, tão baseado nas aparências e em tudo como deve ser, porque o parecer está ainda e sempre acima do ser, e o dever acima do prazer, do sentir, de tudo".
Ora, como não gosto do viver "português suave" nem de viver de aparências, lá terei que confessar que embora não acreditando que exista ali uma candidata ao Nobel, gostei do livro e ela é uma escritora.
Nota 1: Claro que o facto da Carolina Salgado e a Catarina Fortunato de Almeida ( ex-Tallon ), terem escrito umas coisas com formato de livro, não as torna escritoras. Pelo simples facto de que aquilo não são livros.

Nota 2: Tenho que fazer uma correcção: o 1º livro que li dela foi o "Sei Lá" e foi esse que me fez soltar grandes gargalhadas. Porque a expressão " Sei lá", não era usada como quando alguém nos pergunta uma coisa e respondemos: sei lá.
"SEI LÁ" era uma expressão muito usada há uns 8 ou 10 anos, tipo bengala, como agora há quem comece as frases por " Então é assim".
Depois disso li o "Não há coincidências" de já não gostei tanto por ser mutio repetitivo do género, e fiz um interregno que durou até à leitura do " Português Suave".