16 May 2009

TUDO TEM UM PREÇO



Dizem que tudo na vida tem um preço.
Então, já que tenho que pagar um preço, pago o meu preço e não o dos outros.

14 May 2009

AS CORES DO AMOR


Rosália morava numa rua sem nome. E era assim que diziam quando era necessário dar uma qualquer referência, fosse para o rapaz das pizzas ou o merceeiro que vendia verduras numa bacia equilibrada na cabeça - assim, você passa pela Rua dos Sonhos, depois vira à esquerda, em seguida vira na Rua da Desilusão e depois vira numa rua sem nome.
E a rua passou a ser chamada assim, “Rua Sem Nome”.
A casa de Rosália era uma casa com uma tonalidade meio amarelada, não sei se de um branco envelhecido ou um amarelo “tipo esquecido”.
Tinha telhado de barro com manchas de lodo. A porta da frente tinha uns desenhos abstractos que pareciam ter sido talhados com um enorme carinho.
Havia algumas flores do lado de fora com um certo ar de abandono, um pinheiro estranho do lado direito da casa e uma gaiola com um passarinho de brinquedo.
Os vizinhos de Rosália diziam que desde que o marido saiu de casa ela nunca mais viu o sol nascer sem ser através das persianas. Diziam que ela agora era uma mulher sorumbática e desleixada.
Para ela, os dias eram como se fossem um papel dobrado, uma, duas, três... cinco, sete, dez dobras.
Caminhava de uma forma serena pelas divisões da casa, mas passava a maior parte do tempo enfurnada dentro do quarto, com os cabelos desgrenhados, dando conta dos seus tiques nervosos.
Usava uma lavanda que lhe deram no dia do seu aniversário, aquelas de dois litros que duram uma eternidade. Vestia roupas leves e tinha uma feição tristonha.
Rosália escrevia poesias em folhas de papel pautado e depois de terminar os versos ritmados, amassava o papel e o fazia cinza em labaredas.
Os vizinhos diziam que o marido de Rosália era agressivo, que tinha um ar estranho, mas Rosália amava a forma dura, ou não, com que ele a tratava.
Até que um certo dia, nas caminhadas serenas dentro de casa, Rosália foi remexer as gavetas todas cheias de fotografias antigas e bilhetes rabiscados de sentimentos, cartões de Natal, convites de casamentos, um envelope. Rasgado, manchado e com uma carta escrita num papel amarelado.
Era dele. Escrita por ele, para ela.
No tempo em que o amor era uma janela aberta. Quando ele deixava a caneta escorregar no papel de um jeito tão manso que parecia afago.
No branco, agora amarelado.
Rosália lia, relia e chorava de forma compulsiva.
Não imaginava que um amor digno de talhar porta com desenhos abstractos, se tivesse coberto num rubro sangrado, num todo asco.
Ela chorava, chorava, até que os olhos se fecharam e o peito gritou num palpitar cansado que o amor não é um canto ensaiado, é um pintar da forma que quer, traçar da forma que quer.
O amor é solúvel, é palpável, é maleável e pode mudar seja com o anteceder do tempo ou com o passar do tempo.
E o amor às vezes, transforma-se em desamor ou num grande amor desbotado.
Rosália lia, relia e agora suspirava de uma forma quase epifânica. Como quem arrisca sorrir ao pensar em ir lá fora ver o sol nascer.
Observar de um ângulo que não seja o de dentro, a casa da Rua Sem Nome.
E num piscar de olhos, tentar tingi-la de qualquer cor, desde que não lembre um certo tom amarelado.

13 May 2009

.....

WE ALL SHOULD LIVE A DAY IN PARADISE




BEFORE THE DEVIL FINDS OUT WE ARE DEAD

12 May 2009

BAZAR DE SONHOS


De repente assaltou-me uma ideia: para onde vão as coisas quando desaparecem?
Fiquei parada, gelada. A minha cabeça começou a trabalhar. Todas as engrenagens ao mesmo tempo, desorganizadas, descompassadas, desalinhadas, sobrepostas, desencontradas.
Lembrei-me que Chico cantou assim: um lugar deve existir, uma espécie de bazar onde os sonhos extraviados vão parar.
Será que existe um mundo paralelo, um "Perdidos e Achados" fora do tempo e do espaço? Como seria ir parar num lugar cheio de coisas há muito desaparecidas?
Ver o par do meu sapato que nunca mais achei, aquele postal que tinha a certeza de ter guardado na primeira gaveta da cómoda, as milhares de canetas Bic que parecem ter pernas, as chaves que desaparecem sem deixar vestígios, até mesmo coisas que eu não tenho a certeza de terem existido de facto ou terem sido só fantasia.
Já pensaram se existisse um lugar assim?
Podia ir lá buscar a minha vida de volta.

11 May 2009

FOI SÓ UM MOMENTO



Eu continuo aqui. Perdida em algum ponto entre a certeza e o abismo. Que ponto será esse, já me cansei de tentar descobrir.
A vida é cheia de encruzilhadas, eu sei.
Mas é que eu sou humana. Aliás, demasiado humana. E como a todos, também me é dado o direito de me cansar de vez em quando. Cansaço de facto, aquele do fundo da alma.
É um cansaço verdadeiro e legítimo, que a gente tem que viver para deixar de ser, já que não há outra forma. Ou se há, eu desconheço.
Há dias, cansei-me. Por um momento, e para mim foi quase um infinito. Eu cansei-me.
Cansei-me de ter que fazer opções, de ter que saber se o melhor é ir por aqui ou por ali. Cansei -me de não ter todas as estradas do mundo abertas, disponíveis, esperando que eu seja tudo aquilo que eu quiser ser.
É sempre assim: isto ou aquilo, e nem sempre se consegue tomar uma decisão.
Porque há momentos em que a gente quer tudo, e ponto final.
Assim, simplesmente.
Há dias em que a vida, assim, a vida como ela é, não basta.

O último a sair, é favor apagar a luz.

9 May 2009

(1) POST MUITO PESSOAL


Problemas de saúde têm-me mantido afastada do BlueVelvet bem como dos jardins da vizinhança.
Durante a minha ausência, foram muitos os mails que recebi bem como os comentários/mensagens deixados no último post. Dado que houve até ameaças de deitarem a porta abaixo, agora que estou um pouco melhor, resolvi vir agradecer as manifestações de carinho.
Obrigada a todos os que sentiram a minha falta.
Constatei que também há quem não leia jornais, não veja telejornais nem leia blogs, embora se auto-intitule "Pessoa de Afectos". Registei.
Não prometo voltar em força com posts diários e se a inspiração me der para só *"fazer os vossos ouvidos de penico", não os publicarei.
Afinal, ninguém anda aqui para se aborrecer com os problemas dos outros.
Também não prometo visitar todos os jardins da vizinhança mas tentarei ir aos do prédio, na medida das minhas forças.
Sem desprimor para ninguém, tenho que fazer um agradecimento especial a alguém que me enviou de longe, um lindíssimo ramo de margaridas, com um cartão cuja mensagem guardarei para mim.
Deixo-vos um poema de Vínicius escrito em 1950, que alguém me recitou há uns dias. As conclusões serão vossas.

HORA ÍNTIMA
Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?

Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal…
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?

Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?

Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?

Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto…

Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?

Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há-de despertar receios?

Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo…

Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?

Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?

Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?

Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?

Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.

Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada…
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?

Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Nota:*Expressão usada no Brasil, né Pitanga?