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20 March 2008

FOREVER YOUNG






Ainda de ressaca das emoções de ontem, porque todas as imagens e recordações que tenho do meu pai, não encaixam no corpinho frágil onde hoje habita. E o pior, ou melhor, sei lá, é que a cabecinha continua boa, para não falar no coração que embora batendo a meio-compasso, continua cheio de amor para dar.
E vem-me à ideia um dos medos com que lido desde sempre: o medo de envelhecer. Confesso que, quando penso nisso, não me agrada nada a perspectiva. A força da gravidade a fazer descair as peles menos firmes, as rugas que já não se podem apelidar “de expressão”, o peso que é mais difícil de manter e que teima sempre em aumentar, tarefas que nos custam cada vez mais a desempenhar, a memória e a rapidez de raciocínio a diminuir, as insónias a aumentar, a vista a piorar, a agilidade a desaparecer, a resistência física a escassear, as contas com médicos e medicamentos a abundar... Por outro lado a medicina e os seus avanços, prolongam a vida, mas na maior parte das vezes, sem qualquer qualidade.
Envelhecer com qualidade é apenas mais um dos “temas da actualidade”. Mas o que é isso exactamente? Será que basta chegar aos 70 anos, sãos como peros? O que me assusta realmente não é apenas a debilidade física, mas sim a solidão em que alguns idosos vivem e, principalmente, a vulnerabilidade que apresentam.
Nos jardim, não faltam reformados sozinhos... simplesmente à espera que o tempo passe. Nas ruas, caminham lentamente e, por vezes, algo desamparados, estando não raramente sujeitos a atropelamentos e assaltos. Assustador...
E lido tanto pior com isso, quanto é verdade que adoro pessoas de idade! Tirando algumas que têm a mania que “idade é um posto”, admiro a sua experiência e não perco uma possibilidade de ouvir histórias do passado, directamente da boca de quem as testemunhou. São, na sua grande maioria, crianças grandes, com birras e gracinhas e aprecio este tipo de convívio quando é saudável. Mas a incapacidade que acompanha quase sempre a velhice... essa não gosto nem de pensar. A dependência de outros (muitas vezes estranhos) para o dia a dia mais básico. O abandono a que são votados, por vezes, pelos próprios familiares.
Depositados em lares, como trapos velhos, inúteis e que só servem para complicar a vida.
Faz-me sempre lembrar que há anos atrás, em algumas tribos índias e na China, quando um velho se tornava pesado para a família era levado para o alto de uma montanha, onde ficava, sozinho, à espera de morrer.
Embora se diga que nascer e morrer são os actos mais solitários do mundo, continuo a acreditar, que assim como as mãos do médico nos amparam à chegada é preciso que uma mão aperte a nossa, na partida.

11 February 2008

PRECISA-SE DE UM AMIGO


Procura-se um amigo.
Não precisa ser homem,
basta ser humano,
basta ter sentimentos,
basta ter coração.

Precisa saber falar
e calar,
sobretudo saber ouvir.

Tem que gostar de poesia,
de madrugada,
de pássaro,
de sol,
da lua,
do canto,
dos ventos e
das canções da brisa.

Deve ter amor,
um grande amor por alguém,
ou então sentir falta de não ter esse amor.

Deve amar o próximo
e respeitar a dor
que os passantes levam consigo.

Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão,
nem é imprescindível que seja de segunda mão.

Pode já ter sido enganado,
pois todos os amigos são enganados.
Não é preciso que seja puro,
nem que seja todo impuro,
mas não deve ser vulgar.

Deve ter um ideal
e medo de perdê-lo e,
no caso de assim não ser,
deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas,
seu principal objetivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoa tristes
e compreender o imenso vazio dos solitários.

Deve gostar de crianças
e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo
para gostar dos mesmos gostos,
que se comova,
quando chamado de amigo.

Que saiba conversar de coisas simples,
de orvalhos,
de grandes chuvas
e das recordações de infância.

Precisa-se de um amigo
para não se enlouquecer,
para contar o que se viu de belo
e triste durante o dia,
dos anseios e das realizações,
dos sonhos e da realidade.

Deve gostar de ruas desertas,
de poças de água
e de caminhos molhados,
de beira de estrada,
de mato depois da chuva,
de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo
que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo
para se parar de chorar.
Para não se viver debruçado no passado
em busca de memórias perdidas.
Que nos bata nos ombros
sorrindo ou chorando,
mas que nos chame de amigo,
para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Vinícius de Morais
Precisa-se de um amigo, que não seja nosso dono...

SOLIDÃO

Li ontem um curioso artigo sobre Heath Ledger em que o comparavam e comparavam a sua vida à de James Dean.
Entendo que talvez seja comparável a beleza, o facto de ambos terem desempenhado um papel no cinema em que personificavam um gay e de ambos terem morrido muito jovens.
Mas, as suas mortes tiveram diferenças e semelhanças.
Um morreu de overdose involuntária.
O outro num desastre de automóvel que conduzia à mesma velocidade com que conduzia a sua vida.
O que levou ambos a esta situação foram causas muito semelhantes.
Talvez não fosse possível agarrar James Dean, mas Heath Legder queixava-se à meses a pessoas com quem se cruzava no Washington Square Park em Nova Iorque dizendo " Estou muito cansado".

Em Novembro do ano passado numa entrevista ao New York Times afirmou que tomava todas as noites vários comprimidos para dormir, caso contrário só conseguia dormir uma a duas horas por noite.
Afirmou ainda, que podia morrer porque a filha continuaria a sua vida.
Ledger não fez estas confissões a um amigo, a um médico, à família ou à namorada.
Não fez só.
Disse-o publicamente e a um jornal lido por milhões de pessoas.
Porquê que ninguém ouviu?

26 October 2007

SEM MÁSCARA, UM GRITO DE SOCORRO


Este Post vai ser uma perfeita anarquia.
Não vou nem relê-lo.
Vai sem máscara.
Sempre tive um imenso pudor em falar da minha vida no seu lado mais íntimo.
Só meia dúzia de pessoas sabem, exactamente como sou, como sinto, pelo que estou passando, aquilo que estou sofrendo.
Quando comecei este Blog, tive a ilusão que nele poderia pôr os meus mais íntimos pensamentos, dado que ninguém me conhecia.
Mas, com o passar do tempo, há ligações que se vão estabelecendo, empatias que se vão descobrindo, e aí, sempre volta na minha cabeça aquela frase repetida vezes sem conta pela minha avó inglesa que dizia "uma senhora não mostra as suas emoções em público". Então, vem-me sempre à cabeça uma terrível recordação de infância: A minha outra avó tinha uma quinta em Óbidos, e grande parte da minha infância foi passada na praia do Baleal, que não tinha nada a ver com o Baleal de hoje. Era uma aldeia de pescadores, onde as crianças como eu se misturavam com as crianças pobres que ali viviam. Não iam só passar férias.
Uma noite, fomos acordados pelos gritos desumanos de uma mulher, dita do povo, cujo filho se tinha afogado no mar, e que gritava com voz aguda aquele grito que bem conhecemos:" Ai o meu rico filho". E enrodilhava-se na areia, com um bicho.
Não dormi durante noites a fio, e ainda hoje, esse grito ecoa na minha cabeça.
Anos passados, muitos, o melhor amigo do meu filho mais velho, morreu num terrível acidente, quando o avião em que seguia se despenhou em Tires.
Teve honras de abertura em todos os telejornais, e a imagem que me ficou foi os ténis que tinha calçados, jogados um para cada lado, no meio dos destroços.
O funeral foi das coisas mais terrivelmente emotivas a que alguma vez assisti.
A mãe, dopada pela imensidade da perda, e espartilhada pela educação recebida, deixava rolarem-lhe pela cara lágrimas lentas e silenciosas. E nem, quando o corpo desceu à cova se descontrolou, e gritou: Ai meu rico filho.
Sofria ela menos que a outra? Não. Não acredito.
Ambas eram mães. Ambas eram mulheres.
Mas uma era genuína.
A outra estava condicionada desde a infância, a não mostrar as suas emoções em público.
E a mais espantosa manifestação disso a que assisti, foi no funeral do Prof. Sousa Franco, meu professor, quando a mulher, sem uma lágrima, na missa de corpo presente, fez o elogio do marido.
Todos nós, de alguma forma somos o resultado da educação que tivemos, da influência das ideias políticas dos nossos pais, das muitas viagens que fizemos ou do facto de nunca termos saído da santa terrinha.
Pomos então uma máscara, para que os outros possam ver em nós aquilo que querem ver.
Mas há dias em que não dá.
Há dias em que chutamos tudo para o alto, e pensamos: que se lixe. Outra coisa que uma senhora não faz:usar termos pouco educados.
E hoje é um deles.
Viver todos os dias cansa, alguém já escreveu.
E eu estou cansada.
Tudo aquilo que tenho escrito no meu Blog sou eu. Não há mentiras.
Mas há o reverso da medalha.

Há o dia, em que tudo o que está arrumadinho na minha cabeça, em gavetas meticulosamente fechadas, sai cá para fora, também eles, os conteúdos das gavetas, cansados de estarem fechados.
Hoje é o dia.
Estou cansada de viver.
De lutar.
De ser magoada.
De ser uma sombra que não se projecta na vida das pessoas que mais amo.
De ser incómoda.
As pessoas,têm os seus próprios problemas, e pagam para não levar com os dos outros.
Como escreveu Mário Quintana, que citei no Post anterior "Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?" ou, mais grave "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso." Já escrevi, já falei, já chorei e gritei, e ninguém me ouviu.
E hoje, absolutamente sózinha, percebi que é isso mesmo: Estou completamente sózinha à deriva num mar tempestuoso de vagas enormes, num pequeno barco a remos.
Não tenho vida, futuro ou esperança.
Os meus gritos de alerta ninguém ouviu, e os meus pedidos de socorro, ninguém percebeu.
E agora, hoje e aqui, capitulei.
Louca? Serei
Mas como disse o grande poeta:“ Em todos os manicómios há doidos, malucos com tantas certezas! Eu, que não tenho certeza nenhuma, sou certo, ou menos certo?”*.

8 October 2007

EU NÃO SOU EU. SOMOS DUAS


Há uma outra escondida, cá dentro, que escondo do mundo e dos dias monótonos e arrastados de uma mulher bem comportada..
Ela aparece, a uma hora qualquer, quando estou finalmente adormecida, embrulhada, nua , nas folhas brancas dos lençóis.
Sei que a outra aparece quando as pálpebras abraçam os olhos da escuridão do quarto.
Sei que qualquer coisa remexe dentro de mim, enquanto procuro com o pé, o frio do fim do lençol.
Qualquer coisa que eu não controlo, qualquer coisa que eu desconheço em mim. E conheço tão bem.
Quando escondo a mão esquerda debaixo da fronha e procuro o folho da segunda almofada.
Quando a realidade do meu mundo adormece na paz da noite.
E desaparece.
E fica uma mulher de quarenta anos, nua, inocente, enrolada em posição fetal, como uma vírgula perdida num lençol A4. Eu e esta cama enorme.
E sonho.
Consigo.
Falo que me farto, rio, liberto os sonhos e desejos que não lhe conto.
As frustrações, os medos, as humilhações, que não lhe conto.
Sonho com uma vida que nunca vou ter consigo, com histórias que só poderiam ser contadas em pequenos livros que se escondem atrás dos grandes. Livros.
Beijo e abraço como nunca irei beijá-lo.
Tenho diálogos que nunca terei, consigo.
Sonho com viagens que nunca farei, consigo.
Faço amor como nunca fiz, consigo.
Sinto as suas mãos percorrendo o meu corpo, a sua língua deslizando por montes que se abrem enquanto murmura conversinhas ao meu ouvido.
Passo as mãos no seu cabelo, aninho a cabeça no seu ombro e sinto o cheiro das suas boquilhas café crème, antes de partirmos à desfilada por searas ondulantes de prazer.
Acordo molhada de prazer.
Ou serão lágrimas?

6 October 2007

MEL JÁ NÃO MORA AQUI


Tão certo como 2 e 2 serem 4.
Tão certo como o sol nascer amanhã.
O que faríamos se descobríssemos que afinal a Terra não é redonda?
Que o Amstrong nunca pôs os pés na lua?
O que faríamos se todas estas certezas que temos desaparecessem?
Sobrevivíamos. Afinal estas certezas não acrescentam nada aos nossos sentimentos. São frios dados científicos.
O que faríamos se nos dissessem que o filho que amamos há anos não é o que parimos?
Que a nossa mãe não é nossa, porque somos adoptados?
A Mel já não mora aqui.
Durante 30 anos foi minha irmã, minha amiga, minha cúmplice.
A dela, era a minha casa.
A minha roupa era dela, a dela era minha, de tal maneira que vinha o dia em que não se sabia o que era meu ou dela.
Os nossos filhos, os nossos cães, os nossos projectos, os nossos desgostos, os nossos amores.
A Mel já não mora aqui.
De dia ou de noite, no Verão ou no Inverno, na alegria e na tristeza era ela e eu.
A Mel já não mora aqui. Resto eu.
Se penso em qualquer momento da minha vida a fotografia da Mel flasha na minha cabeça. Que dói.
Natal, aniversários, funerais e casamentos.
A Mel já não mora aqui, grito eu.
Era a minha última certeza de acreditar no ser humano.
E agora que ela já não mora aqui?
Foi de férias e um tsunami arrasou o meu porto seguro.
Boiando no mar de lágrimas onde me afundo, estou eu toda, em pedaços.
E sei que quando os recolher, e um a um os juntar para fazer o puzzle que eu sou, vai faltar um.
Porque a Mel já não mora aqui.
Ela cansou-se.
E eu matei-a.