10 September 2007

AI QUE RAIVA!



Tenho-me contido, com algum esforço, é certo, e desde que há 129 dias Maddie desapareceu, não fiz um único comentário àcerca do assunto, com excepção para um pequeno escrito que deixei num Blog de que gosto, chamado Fundamentalidades.
Mas hoje decidi que não aguento mais. Sei que não vou adiantar muito, mas pelo menos desabafo, e parece que é essa também uma das funções dos Blogs. Um estudo levado a cabo pela Universidade de Harvard, diz que as pessoas que têm blogs recorrem menos aos psiquiatras...
Portanto, antes que tenha que recorrer a algum por causa deste assunto,aqui fica o meu desabafo. Acho que como mãe, mulher e advogada tenho legitimidade para o fazer. Começo com um murro em cima da mesa: Ai que raiva! É verdade. Já fui assaltada por vários sentimentos desde que este drama aconteceu, mas agora o que estou mesmo é cheia de raiva. Raiva contra as nossas estações de televisão, contra os nossos jornalistas,contra a nossa polícia,contra os anónimos que emitem opiniões só para terem os seus 5 minutos de glória.
Ai que raiva!
Desde que a menina desapareceu que ouvi e li os mais absurdos comentários, como:
- Ah, quando foi do João Pedro, ninguém ligou nenhuma!
- Pois, se não fossem ingleses e a criancinha linda, loira e de olhos azuis, ninguém se importava!
- Desaparecem todos os dias, em todo o Mundo milhares de crianças, e nada disto acontece.
- E agora os pais têm um fundo com montes de dinheiro, podem viver à grande.
- Houve mesmo um jornal que, quando os pais de Maddie mudaram de casa, fizeram um título de capa que dizia "McCann's mudam para moradia de 1 milhão de Euros!"
Bom, muitos mais exemplos podia dar, mas iria transformar este Post num livro, portanto, e só para esclarecer:
1º a moradia está avaliada num milhão de euros, mas eles pagavam 800€ por semana, o que é perfeitamente normal, para uma vivenda no Algarve.Decerto ninguém acha que uns pais podem continuar a morar num apartamento de onde desapareceu uma filha, além do que, vindo parentes do Reino Unido, é óbvio que aquele apartamento seria muito pequeno e estava muito mais exposto do que a casa para onde mudaram.
2º É verdade que o caso de João Pedro não teve a atenção deste, lamentavelmente devo dizer, mas porque o tratamento dado a esse caso não foi o mais correcto, Maddie teria que pagar por isso, e ignorar-se o seu desaparecimento?
3ª E tem ela culpa de ser loira, linda, de ter olhos azuis, de ser inglesa e dos pais serem médicos? Ao contrário da maldade que os comentários encerram, o que devemos perceber é que ninguém está protegido do mal, independente de côr, raça ou riqueza pessoal.
Mas quando as coisas já estavam más, pioraram muito, quando os pais foram constituídos arguidos, na passada 6ª feira.
Aí sim, é que a minha raiva subiu de tom.
Começou com um programa na TVI, da parte da manhã, com uma jornalista que não sei de onde saiu, um senhor chefe de polícia e um reguila, tipo "faca na liga", que fosse qual fosse o comentário que fizessem, riam muito. Rir? Num caso destes? De quê? Talvez das asnices que proferiram. Uma que é muito importante, é que para eles, alguém ser constituído arguido é sinónimo de ser culpado de um crime. Nada mais errado.Vou poupar quem me ler de explicar o que é um arguido, e como ou porquê é constituído, mas asseguro que ser arguido não significa que se cometeu um crime.
E a minha raiva subiu ainda mais de tom durante o fim-de-semana, à medida que ia assistindo aos vários debates que os canais de televisão fizeram. A certa altura decidi só ver os da SIC, com o jornalista que estivesse de serviço, Moita Flores, um advogado,um psicólogo e uma pedopsiquiatra cujos nomes não retive. De todos, só o advogado e a médica comentaram com rigor e cautela tão melindroso assunto.
De qualquer modo, as conclusões que tirei de todas as perguntas, respostas e insinuações que ouvi são as seguintes:
1º Se os pais de Maddie deixaram de ser testemunhas e passaram a arguidos, é porque estão envolvidos na morte da filha.
2º É verdade: embora não haja cadáver, a pequena Maddie deixou de estar desaparecida, para estar morta. Desgraçadamente, até pode ser verdade, mas ninguém sabe, ou melhor, só saberá, quem a matou, e ninguém sabe quem foi.
3º A mãe é culpada, porque ninguém a viu chorar, ao longo de todos estes meses!!!
4º A mãe é culpada, porque na sexta-feira quando foi prestar declarações já não levava o peluche da filha, que sempre a acompanhou. ( Por acaso até é falso. O peluche ia no bolso da mochila). Bizarro, não?
5º A mãe é culpada porque hoje quando voltaram para casa, o casal não ia de mão dada como costumavam andar sempre. E esta?
6º A mãe é culpada porque sempre disse que não voltariam para casa sem que o caso estivesse resolvido, e à primeira dificuldade, fugiram. Como???
7º A mãe é culpada, porque quando deu pela falta de Maddie, foi a correr ter com o marido e disse" Levaram-na. Levaram a Maddie".É, há alturas em que é preciso ter cuidado com as palavras. Sobretudo quando se dá pelo desaparecimento de um filho.
8º Os crimes de que os pais são acusados são homicídio negligente e ocultação de cadáver! Bom, então o caso está resolvido:
Já se sabe quem matou, como matou, só não se sabe onde escondeu o cadáver. Brilhante.
9º Como pode a Polícia Portuguesa deixá-los fugir? Pois, e foi mesmo nas barbas da dita.
Ai que raiva!
Convém que antes de prosseguir, faça aqui uns reparos:
Humildemente confesso que não sei que crime foi cometido: sequestro, homicídio, homicídio negligente, se houve ocultação de cadáver. Mais, não sei nem se há cadáver. Deus permita que não haja.
Confesso também que ninguém me pagou para defender os pais de Maddie, mas preocupa-me saber que qualquer um de nós podia estar no lugar deles e podia ser inocente,já que não sabemos se são culpados, nem de quê, e tenho pavor de bodes expiatórios.
Confesso ainda que já vi muitas mulheres chorarem aos prantos, homens também, e no entanto serem culpados dos crimes mais hediondos.
Que me perdoem os muitos fortes, mas confesso que quando algo de muito mau me acontece, tudo o que quero é fechar-me em casa junto dos meus.
Confesso também que tenho uma enorme admiração por este casal, seja lá o que for que aconteceu, que com uma determinação inquebrantável, usou o mais poderoso meio para tentar encontrar a filha: os media. Se estes conseguem impedir um homem de chegar a Presidente dos Estados Unidos, é ou não o meio mais poderoso de que nos podemos servir?
E por último, que me perdoem porque não há comparação, mas há 6 meses perdi o meu cão( sucumbiu a uma deficiência renal)que me acompanhou nos últimos 13 anos da minha vida e a única forma que encontrei para minorar o meu sofrimento e a sua falta, foi andar com a sua almofadinha comigo, para todo o lado onde vou.

Isto dito, quero acrescentar mais duas ou três coisas:
- Vamos ser realistas:o casal McCann é composto por dois médicos anónimos que vivem numa pequena localidade inglesa.Não são especialistas de renome, conhecidos em todo o Mundo, ricos e poderosos. Vivem numa cidadezinha inglesa de que ninguém antes tinha ouvido falar e não em Manhatten. Não são nem conhecidos, nem ricos nem poderosos, repito. Se conseguiram montar toda esta máquina para tentar encontrar a filha foram, isso sim, inteligentes e determinados. ( Partindo do princípio que nada têm a ver com o desaparecimento. Mas, a isso já lá irei).
- Eles não fugiram, nem foi à 1ª contrariedade.
Sairam da casa onde estavam, apanharam um avião cujo interior estava cheio de jornalistas, foram seguidos por carros e helicópteros até ao aeroporto, e à saída de casa foi a própria polícia que lhes abriu caminho para o seu carro passar. Se isto é fugir...
- 1ª contrariedade? Penso que essa foi quando a filha desapareceu, e foi decerto mais que uma contrariedade. Muito aguentaram eles: 4 meses. Eu ( Deus me guarde de tal provação), não teria aguentado nem metade: teria voltado para o conforto da minha casa, para o carinho da minha família, para a segurança do meu País pedindo ajuda a uma das melhores polícias do Mundo: a inglesa. Mas eles ficaram. Ficaram até ao dia em que algo mudou. Para nós só passou que passaram de testemunhas a arguidos, mas não sabemos porquê. Eles sabem. E sabem, que de vítimas passaram a facínoras. Mas sobretudo sabem que esta viragem não aproveita ao aparecimento da filha, portanto, cumprindo com os seus deveres de arguidos, prestaram TIR, informando a polícia portuguesa da sua morada em Inglaterra, já que não partiram para parte incerta, e usando o seu direito de partir, voltaram a casa.
E será que todas as mentes brilhantes que enchem os debates, os especiais, e mais não sei quê nas televisões, já pensaram como deve ser terrivelmente difícil voltar a casa com 2 filhos, quando se partiu para férias com 3?

Já há tantas perguntas sem resposta neste caso, que bem nos podiam poupar a outra:"porquê este silêncio da polícia?" O que esperavam com ele? Um linchamento em praça pública?
Se têm indícios suficientes para acharem que os pais de Maddie estão na origem do desaparecimento da filha,e se sabem que tipo de crimes cometeram, isso não é mais segredo de justiça. Afinal, onde foram os jornalistas buscar estas informações? Puseram escutas na sala de interrogatórios?
E já agora,expliquem-nos como foi parar o sangue da criança ao carro que os pais alugaram 25 dias depois do desaparecimento da filha.

Enfim, e a finalizar, se de facto se vier a provar que os pais mataram Maddie ou que tiveram algo a ver com o seu desaparecimento, julgo que todos concordarão que eles não têm o mesmo perfil da mãe e do padrasto de Joana. Portanto, se durante todos estes meses fizeram o que fizeram incentivando e suplicando ao Mundo que encontre a filha, é óbvio que não o fizeram por serem dois monstros, mas porque algo aconteceu nas suas cabeças ( e muito pouco sabemos das peculariedades da nossa mente )que os levou a esquecer o que de facto aconteceu. É bom que nos lembremos disso antes de os julgar, porque sobretudo não temos o direito de julgar ninguém, porque não somos melhores que ninguém.

E, já agora, em jeito de P.S. gostaria de lembrar uma coisa que repito desde que a Joana desapareceu, não se tendo nunca encontrado o seu corpo: Como foram a mãe e o padrasto condenados pela sua morte, se o corpo da menina nunca apareceu?
Como advogada, ainda hoje não consegui perceber.
Ai, que raiva!

1 nhận xét :

Alexandre said...

Impressionante e fascinante o teu texto! Li, reli e tive que imprimir pois um texto destes não pode ficar apenas no monitor... foi talvez a melhor abordagem que já li/vi sobre o assunto - conseguiste conjugar os pontos fundamentais da questão, de que muita gente não se «lembra» ou não convém falar.

Das coisas que me custaram mais foram as vaias dos populares a Kate, essa gente não tinha mais nada para fazer do que estar ali horas e horas para gozarem à conta da desgraça alheia?

E acho que muita dessa situação é ampliada pela comunicação social, comunicação esta que eu acho sem imaginação, seguidista, lobbista, e que clama por casos destes para manterem os telespectadores ocupados - eu sei (porque sou pessoa dos jornais) que os editores esfregam as mãos de satisfação quando surgem casos destes que lhes permite até alugarem helicópteros para fazer a cobertura absurda da uma «perseguição» de um carro até ao aeroporto... antes esses editores levantassem o rabo das suas cadeiras em gabinetes com ar condicionado e fossem até ao terreno, até às populações que vivem com dificuldades, até aos idosos, até às famílias desesperadas, à delapidação do património por esse país fora...

Bom, está aqui pano para mangas para novos posts. Pelo menos, a imaginação e a liberdade de expressão dos e nos blogs deixa a imprensa e as TVs a milhas...

Muitos beijinhos, Blue Velvet!!!