19 September 2007

Inconstitucionalidade da Prisão Preventiva e a revisão do CPP

Há uns bons anos, um colega meu conseguiu a condenação de um assassino num processo muito mediático. Passados uns tempos, o dito fugiu do estabelecimento prisional onde cumpria pena, e, naturalmente, a sua fuga foi noticiada em tudo o que eram televisões e jornais.
Liguei logo para esse colega, e disse-lhe:-Olhe lá, depois do trabalho que lhe deu conseguir que ele fosse condenado, o quê que sente, agora que ele se pirou?
- Nada. Fez ele muito bem.A minha obrigação como advogado era conseguir que ele fosse condenado. A obrigação dele era fugir.Ninguém gosta de estar preso.
Pois!!!
Quando desliguei não sabia se ria ou se achava que o tipo é maluco. Quer dizer, eu sei que ele é maluco, mas mesmo assim...
O facto é que se as pessoas gostassem de estar presas, não se lhes dava como castigo pelos crimes que cometem, penas privativas de liberdade, portanto...
Portanto pus-me a pensar, e desde então que afirmo que a prisão preventiva, fora de flagrante delito ou sem haver confissão, é inconstitucional.
Ora vejamos:
Diz a Constituição:
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

a) Detenção em flagrante delito;

b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

2. A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.

Muito bem, isto é o que a lei diz. Mas não é o que acontece.
A prisão preventiva não tinha até agora natureza excepcional.Bem pelo contrário.
Celeridade é coisa que não há desde que um processo começa até que termina definitivamente, após sentença transitada em julgado.
Quem afere do que é "um prazo razoável"? O preso ou quem o mantém preso?

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Há anos que este assunto me persegue e é inclusivé tema de uma tese de Mestrado.
Não quero maçar quem me lê com termos incompreensíveis, mas afirmo que:
- quase todos os arguidos sujeitos a prisão preventiva não gozam da presunção de inocência.
- embora haja prazos limite para a duração da prisão preventiva, são quase sempre esgotados, o que deita a tal ideia de celeridade por terra.
- até agora a regra era a prisão preventiva, e a caução a excepção, além do que, para haver caução é preciso haver dinheiro. Quase nunca há. Ou melhor, há para os privilegiados, logo o direito constitucional da igualdade dos cidadãos independente da sua situação económica, vai prás cucuias ( é um local muito distanteeeeeeee, em brasileiro :)).

Portanto, quando agora se ouve e lê nos orgãos de comunicação social que muitas centenas de presos preventivos, alegadamente culpados de crimes horrendos foram postos em liberdade, acreditem que a culpa não é deles. Nem da lei. Nem de quem a aplica.É culpa do sistema, e não sejamos ingénuos,o sistema tem cara: é o Governo que temos e os que já tivemos. Os juízes trabalham desalmadamente mas não dão vazão aos processos que se amontoam nas suas secretárias. Os funcionários que trabalham nos Tribunais até há uns anos nem computador tinham, e ainda hoje os processos são cosidos,à mão, com umas agulhas monstras e uma linha que dá para enforcar uma pessoa. Tudo isto é jurássico.
Portanto não me venham falar na Revisão do CPP. Nem das suas consequências.
Há é que ir à raiz do mal (não, não é o filme do Richard Gere...): há poucos juízes, poucos Tribunais e as cadeias estão cheias e as condições da população prisional são uma vergonha.
E a solução é tão fácil que parece o o ovo de Colombo : admitam mais juízes, não façam do CEJ um reduto de elite, façam cursos para os milhares de advogados desempregados para permitirem que possam passar para a Magistratura se assim o desejarem. Mas não deixem de fora os que têm mais de 35 anos ( olhem a igualdade...)ou não se licenciaram na Católica ( olhem a igualdade...)ou não têm cunhas ( olhem a igualdade...).
Mas sobretudo não queimem em praça pública o legislador que fez a revisão do CPP.
É mais do que justo que uma pessoa não tenha que passar 2 ou 3 anos em prisão preventiva. Ou é culpada ou não é!
Dá-me isto uma raiva!
Às vezes, para falar é preciso saber.

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