14 December 2007

A ESMERALDA, AFINAL, NÃO É UMA PEDRA PRECIOSA!

Tinha pensado não pôr nenhuma fotografia neste post, mas vinda do Brasil, mão amiga fez-me chegar esta doçura.
Para adoçar um pouco a tristeza do meu coração.
Pela Esmeralda.
Sei que prometi só escrever posts bem dispostos até ao fim do ano, mas infelizmente tenho que abrir uma excepção.
A indignação, a que todos temos direito, como disse uma vez o então Presidente da República, Dr. Mário Soares, não me permite ficar calada.
Se em alguns pontos uso os meus conhecimentos jurídicos devido à minha profissão, não escrevo estas linhas na qualidade de advogada: escrevo-as como cidadã deste País e como Mãe, usando do direito à liberdade de expressão que a C.R.P. me concede, portanto sem qualquer desrespeito pelos Srs. Doutores Juízes.
Imagino que já todos tenham ouvido falar do caso Esmeralda, uma criança que foi dada ( sem os intermediários do Estado ) para adopção, a um casal, quando tinha meses de idade.
Eles criaram-na com todo o amor e na iminência de terem que a entregar ao pai biológico que nunca quis saber da sua existência, o pai adoptivo, num acto de desespero e defesa da criança, escondeu-a com a mãe adoptiva, e por isso, foi preso, julgado e condenado pelo crime de sequestro!
Ora, é suposto, como dizia o grande Ary, que quem faz uma criança, fá-lo por gosto.
Pois, é suposto, mas nem sempre é o caso!
E daí, que quando uma criança é gerada sem ser planeada, há quem resolva levar a gravidez adiante e acolher o novo bebé com todo o amor, há quem decida abortar, e ainda quem decida dá-la para adopção, deitá-la na sanita, pô-la no caixote do lixo ou...matá-la.
Há uma situação em que nunca se pode pôr em dúvida que a criança vai ter pais POR AMOR: no caso da adopção.
Portanto comecemos do começo:
A mãe entregou a menina (filha de pai incógnito, apesar das inúmeras vezes que a mãe lhe disse que era dele!!!) com uma declaração de plena adopção. Onde está o crime???? Quem a obrigava a entregar a filha a uma instituição (sujeita a esperas e sem família, com falta de amor e atenção) se a podia entregar a um casal que a trataria com amor e dedicação???
Eu teria feito o mesmo que ela (sou mãe e sei do que falo). Era preferível tê-la abandonado num caixote do lixo ou coisa parecida e deixá-la à sua triste sorte???
Quer dizer, o pai biológico, só por ter dado uma curva com a mãe biológica da criança, poderia ter aos 9 meses alguma legitimidade para querer assumir o poder paternal, mas do meu ponto de vista, podia ter pedido direito de visita, mas a guarda já não.
Tinham passado 9 meses, o que na vida daquela bebé era 2/3 do tempo de vida dela. E não tem nada a ver com o facto de o homem ser pobre. Fosse ele rico e o outro pobre a minha posição era ainda mais severa, porque se tinha condições de ter ajudado a desgraçada da brasileira logo de início, devia tê-lo feito.
A presente situação é esta: engravida-se uma tipa qualquer, recusa-se ajudá-la quando ela pede e depois aparece-se não sei quantos anos depois a reclamar os seus direitos.
Acho desde o início que dão muita importância ao espermatozóide que em má hora foi fecundar aquele óvulo, tal como avaliam com muita leviandade o papel de um pai. O pai biológico até podia não querer saber da brasileira para nada, mas o facto de ter ignorado a gravidez dela, podia por si só ter obrigado a senhora a abortar por falta de meios para criar o bebé.
Já que tanto se tem discutido o aborto nos últimos tempos, não acham que a senhora teria toda a legitimidade para abortar na situação em que se encontrava, grávida de uma relação ocasional, de um fulano que não a parecia levar minimamente a sério? Se ela tivesse nessa altura abortado, não havia Esmeralda nem Safira nem Rubi, nem criança nenhuma, e o senhor pai biológico tinha que arranjar outro meio de ganhar dinheiro.
E os direitos paternais dele teriam ficado resolvidos de uma vez por todas, sem que ele sequer tivesse sentido uma beliscadura.
Mas a brasileira teve a bebé e até tentou criá-la sózinha uns tempos.
Concluiu que não dava conta do recado e entregou-a a alguém que tomou conta dela, que a acarinhou e criou durante 9 meses.
De forma ilegal, é verdade, mas fê-lo com o maior zelo que lhes foi possível. Em termos práticos, a criança existe para disputar, porque três pessoas se sacrificaram e lutaram por ela: os pais adoptivos e a mãe biológica!
O senhor Nunes só aos 9 meses é que soube que havia uma menina que passeava os seus genes , mas aos 9 meses a criança já era filha de outros.
Ponto final.
Faça outra.
Não percebo como é que alguém considera devolver a criança ao homem, só porque ele contribuiu com um espermatozóide. Se é isso que para os Tribunais é ser Pai, Deus me livre de homens assim todos os dias da minha vida.
Têm uma noção muito ligeira do trabalho que dá pôr uma criança no mundo e criá-la, seja até aos 9 meses ou até aos cinco anos.
Só quem nunca criou um bebé (não é pari-lo, é criá-lo mesmo) é que não pode apreciar o nível de sacrifício que isso implica, as noites mal dormidas, os dias no emprego a bater com a cabeça nas paredes porque se está dias e dias em privação de sono, o que é abdicar de ir aqui e ali, de ter isto e aquilo por causa de uma criança.
São os muitos sacrifícios que se fazem pelos filhos que consolidam o amor que se lhes tem, e por isso, acho interessante o Sr. pai biológico aparecer a pedir uma indemnização depois do casal lhe ter criado a filha durante quase 5 anos. Se fosse um pai responsável, perguntaria ao senhor quanto lhes devia ele, em horas, em fraldas, em médico, em roupa ao fim daqueles anos todos.
Nem sei se não será boa ideia…entrego os meus filhos agora, que dão um trabalho do caraças a criar, e depois aos cinco ou seis anos, quando em princípio já não dão grande trabalho, vou buscá-los e peço uns euritos para mim, por conta dos transtornos que tive.
Pode ser que dê certo.
Que pai é o Sr. Baltazar que só reconheceu a filha porque foi obrigado a fazer os testes de ADN, impostos pelo tribunal ?
Germinar não basta.
E agora que a criança vai ser dada ao Baltasar como decidiu a Justiça que parece estar moralmente cega, com que bases se vai ela adaptar a um homem que só a considera filha pelo ADN? Porque não me venham dizer que por ela tem um amor de pai…
Antes de me pronunciar sobre este assunto, tive o cuidado de ler o Acórdão que entrega Esmeralda ao pai biológico e ainda mais consternada fiquei.
Resulta para mim que de facto a decisão nele contida, padece de uma errada consubstanciação dos factos no direito.
Quanto à prisão e condenação do pai adoptivo:
Desde logo o Tribunal não entendeu serem aplicáveis quaisquer circunstâncias que diminuíssem por forma acentuada a ilicitude do facto (denominada atenuação especial da pena), quando no meu entendimento, e após ter lido e relido os factos dados como provados, haveria aqui lugar à aplicação da mesma porque a conduta do arguido foi determinada por motivo honroso, como seja no caso sub judice o de considerar que estava a velar pelo interessa da menor ao fazer com que a mesma permanecesse consigo e com a sua esposa, circunstancialismo esse que, aliás, é integralmente corroborado pelos relatórios da Segurança Social de Santarém datado de início de 2004 (que referiu que a menor estava bem integrada na família do arguido tendo estabelecido laços de afectividade e vinculação) e do Prof. Dr. Oliveira Pereira (que referiu que a menor Esmeralda se identifica social, cultural, afectiva e psicologicamente com a família do arguido ); adianta ainda aquele relatório (que sublinhe-se por relevante, foi elaborado por um especialista que dispõe de conhecimentos técnicos e científicos acerca da matéria em causa, pelo que o seu juízo se encontra subtraído à livre apreciação do julgador) que a ruptura com os padrões da referência da identidade actual poderá colocar em perigo a integridade psicológica identitária da criança.
Ora, daqui resulta que ainda que, in casu, tivesse lugar a aplicação do crime de sequestro agravado, a pena teria de ser especialmente atenuada pelo facto da conduta do arguido ter sido cometida no pressuposto de que com a prática da mesma estava a velar pelo interesse da menor, atenuação especial essa (art. 72 n.º 2b do Cód. Penal) que teria os efeitos preconizados no art.º 73.º daquele Código, isto é, acarretaria que o limite máximo da pena de prisão fosse reduzido de um terço (art.º 73 nº 1a) do Cód. Penal), e o limite mínimo fosse reduzido a um quinto (al. b) daquele preceito, donde resultaria que no caso concreto a moldura penal do crime de sequestro agravado passasse a ter como limite mínimo 4 meses de prisão e como limite máximo 6 anos e 7 meses, pelo que, como facilmente se percepcionará, in casu, a ter tido lugar este entendimento, ao arguido nunca seria aplicada a pena de prisão de 6 anos mas com certeza, e sem estar aqui a fazer o papel de justiceira, uma pena substancialmente menor.
Por outro lado, do meu humilde ponto de vista, no caso concreto, os factos praticados pelo arguido não são consubstanciadores da prática de um crime de sequestro (onde o bem jurídico protegido é a liberdade de locomoção, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro).
É que uma vez que aquele Tribunal sufragou a tese de que as crianças podem ser vítimas de sequestro, sendo que para tal a sua vontade não tem de ser actual mas pode ser potencial ou presumida, não se vislumbra como pôde ter aqui aplicabilidade tal tipo legal de crime na medida em que, dos factos carreados para os autos, resulta a dúvida se a vontade actual, potencial ou presumida da criança aponta no sentido de que a mesma se oporia ao acto de impedimento da sua deslocação por acção de terceiro, e isto porque conforme resultou provado à saciedade, a dita criança não tem qualquer vínculo afectivo ou pessoal com o seu progenitor, bem pelo contrário, a criança identifica claramente o arguido como sendo o seu verdadeiro pai biológico!!
Assim sendo, dificilmente se percepciona como pôde o arguido ser condenado pela prática de um crime de sequestro agravado!
Pretende-se que a Justiça seja cega, imparcial e impoluta.
Mas também JUSTA.
Por outro lado, só pode ser uma piada de imenso mau gosto a indignação das pessoas que estão á espera para lhes ser dada uma criança para adoptarem. Parecem aquelas pessoas que estão nas filas para pagar e reagem violentamente quando alguém lhes passa á frente, para depois se encolherem um bocado quando se apercebem que a pessoa afinal tinha só que entregar um papel para terminar um processo ou se vira de frente, e concluem que está grávida e tem prioridade como está escrito nas caixas.
Se a Sr. Aidida Porto tivesse entregue a criança à Segurança Social, provavelmente o que tinha acontecido era a bebé ir parar a uma instituição ou família de acolhimento até alguém muito douto decidir quem era a melhor pessoa para tomar conta dela.
Se calhar, tinham seguido o caminho normal e intimado o Sr. Não sei quê Nunes a fazer o dito teste de paternidade que lhe acordou os instintos adormecidos, e ele, se lhe tivesse dado jeito, tinha-a assumido logo e não estávamos a discutir isto aqui.
Mas entretanto, a desgraçada estava meses sem uma figura de referência, numa instituição onde não são nem mal tratadas, nem bem, e os primeiros meses de vida dela eram passados de Herodes para Pilatos sem se ter os direitos dela em consideração.
Os bebés, embora não pareça, têm direitos, sabem?
Isso satisfazia os senhores pais na fila á espera de adoptar? Satisfá - los pensar que a criança que lhes irá parar eventualmente às mãos terá que passar por esse processo todo? Satisfá - los pensar que se a deles vai ter que estar meses á espera da definição do processo, então todas têm que passar por isso?
Não seria mais razoável e menos egoísta lutar verdadeiramente para que as crianças desamparadas tenham um colo o mais rapidamente possível, quer sejam as mães a dá-las, ou a Segurança Social (com luvas ou sem elas) a entregá-las?
Mas não, aparecem todos indignados porque o Sr. Luís e a D. Adelina lhes passaram à frente, completamente insensíveis ao facto de, na perspectiva da criança, estes serem os únicos pais que conheceu, que a estimaram, que a cuidaram, e que separá-la deles é uma violência desumana.
O mal, não está no facto de o casal ter acolhido a menina aos três meses só com a declaração da mãe.
O mal é que a lei sobre a adopção não está feita a pensar nas crianças, nem existe mecanismo nenhum que funcione para as proteger de facto.
Eu também sou mãe e, ( Deus me guarde de me ver em tal situação) faria o MESMO que a senhora brasileira fez.
Entregar a uma família que CUIDASSE do meu filho. Antes uma FAMILIA, que uma Casa Pia!.
Em pouco tempo resolveu e encontrou uma solução para uma filha que não podia criar.
Para terminar deixo só uma pergunta, para reflexão: quem é o pai?
O que cuidou, acarinhou, adormeceu e se responsabilizou, ou o que involuntariamente cedeu esperma a um óvulo?
Ponha-se o assunto assim: O que é que mais importa, o bem estar desta criança que tem PAIS, os tais que a amam e cuidam, ou os caprichos do Estado, dos tribunais e do esperma fertilizante?
Especialmente quando digo que não é o facto de se ser dador de óvulos ou espermatozóides que legitima alguém como progenitor. O que se passa normalmente é que com mais ou menos condições, os pais biológicos criam os filhos. Têm nesse caso uma dupla legitimidade em reclamar o poder paternal. Ninguém nega isso.
Mas, pais biológicos que abdicam do dever de criar, não podem vir mais tarde arrogar direitos que só continuam a ter porque alguém tomou a seu cargo os deveres que eram deles. Uma criança só se dá uma vez, e o não se reconhecer em tempo útil é uma decisão por omissão. Não foi por o pai coitadinho não saber que ela era dele que a bebé deixou de ter necessidades que outros se encarregaram de satisfazer. Ao pai biológico ela deve uma milionésima parte da existência dela. Os direitos dele devem ser equivalentes a isso.
Haja vergonha e sobretudo bom senso.
No meio de tudo isto a vítima continua a ser a menina, que não tem que pagar pelos ERROS do Estado, nem pelas ilegalidades cometidas pelos adultos (pais adoptivos/biológicos).
A menina deve ser protegida. Para mim é simplesmente monstruoso que haja um órgão de soberania, que friamente ordene a retirada da criança aos únicos pais que ela conheceu, e que o faça no dia 26 de Dezembro.
Já agora porque não no dia 25?
Para comemorar o nascimento de Jesus, oferece-se de mão beijada uma filha a um qualquer dador de espermatozóides ( presente de Natal ), e um saquinho com dinheiro ( como fazia o Pai Natal ).
A frase melhor que li até agora sobre os Juízes que assim decidiram foi:
” será mulher?, será gente?, gente não é certamente pois gente não decide assim “


1. Só por curiosidade, aqui fica um excerto de uma entrevista dada por Gomes Canotilho ( considerado um dos nossos maiores constitucionalistas ), ao “Jornal de Leiria”:
“Tem seguido o caso Esmeralda? A lei foi aplicada sem ter em conta o factor humano? ”
“Aplicar a lei não é só o que vem nos livros ou o que vem na “lei”. A CRP é clara sobre estes problemas: há que defender o interesse das crianças. No caso Esmeralda, houve “pecados” na constituição da relação adoptiva, mas também os houve do pai biológico que, até aos testes de ADN, nunca se interessou por aquela filha. Quase tínhamos aqui uma solução salomónica ou do juiz do Círculo de Giz Caucasiano, de Brecht, de cortar a criança ao meio. Parte do problema resulta também da lentidão do processo. A criança foi adoptada aos 3 meses. Como é que chegamos aos 5 anos sem ter estas questões definidas? Para aplicar bem o Direito, penso que, havendo “pecados” dos pais que receberam e trataram bem a criança, estes não são “mortais”. Esmeralda está melhor protegida, em termos afectivos, anímicos, sociais e familiares, com eles. Em relação à questão do sequestro, acredito que o senso-comum vê as diferenças entre esse crime e a situação que aqui temos, sem querer engrossar o coro de vozes que querem crucificar os juízes e os magistrados do Ministério Público”.

3 nhận xét :

Sol da meia noite said...

Tudo já disseste.
Acrescento apenas que tem alturas em que parece que a pessoa em causa é o pai biológico e não a menina... tal lugar de destaque lhe é dado. E isso choca. Até chega a parecer ser a vítima inocente da situação.

Gostei do texto, do teu modo de expor o assunto.
Beijinho

JCA said...

O nosso sistema jurídico obriga os juízes a aplicar 1º a lei e depois tudo o resto, mas a lei está sempre em primeiro lugar.

Deparamo-nos com uma situação, na minha opinião, em que a culpa vai morrer solteira, a lei como está, permite o que se permite.

Os Srs. Juízes que têm uma formação que muitas vezes não se percebe muito bem o que é, esquecem o bom senso, e na dúvida aplica-se a lei nua e crua!

Só com alterações legislativas profundas é que situações destas são resolvidas de forma mais célere e justa.

E assim se fará a costumada justiça!

Oliver Pickwick said...

Não conheço este caso, Velvet. Mas, como é você que está protestando, tem o meu apoio irrestrito. Onde tenho de assinar?
Um beijo, e tenha um ótimo fim de semana!