8 November 2007

A 25ª HORA

É tarde. Tarde na noite, quando me deu para escrever isto.
Há quem goste de trabalhar de dia, quando o sol brilha e a vida corre o seu curso, dito normal.
Eu prefiro a noite. Para tudo. A noite, em casa, quando todos dormem, quando a casa é só minha, quando os meus passos, os meus gestos, os meus pensamentos são palpáveis. Reais. Quando, de repente me apercebo da sombra da minha mão pousada na folha em que escrevo, enquanto oiço o bater do relógio do tempo.
É então que gosto de ler, estudar, sair para dançar, amar, pensar. É então que todas as interrogações chegam até mim. E a angústia de não ter resposta para elas. É então que tenho a certeza de poder apertar com os braços a verdade de ter uma alma.
É tão banal o dia ter 24 horas. 24 horas para dormir, comer, trabalhar, dormir, comer, trabalhar, e simplesmente... vegetar.
Trabalhar a fazer o que não se gosta.
Sair cedo. Cedo na manhã branca de gelo, fria de calor humano.
Comer. O que há. Quando há.
Viver sem saber porquê. Para quê. Até quando.
Tenho para mim, e vou contar baixinho, um segredo encontrado na magia-alquimia do tempo:
O meu dia tem 25 horas.
A 25ª hora do meu dia é:
Viver quando o dia acaba, na casa silenciosa, brilhante e pulsando com o que aconteceu durante o dia. Sentir-me nela, parede, livro, música, sonho. Ter a noite toda para sonhar os meus sonhos, essa é a minha 25ª hora. Sentir-me a realizá-los, como se estivesse a subir montanhas brancas, puras, frias, como virgens em noites de núpcias...
É como aquela hora, em que num convés de um navio que sulca a imensidão do mar iluminado por uma lua cheia, estendo a mão, e posso tocar uma estrela.
É aquela hora mágica em que me sinto viva e pergunto:” Como será amanhã?” E oiço a brasileira Simone ao longe. E é tão bom que me sacode, me bate, me ri. É a hora transcendente em que sinto que tudo é possível, que tenho a certeza que sou uma mulher-bicho-irracional-raciocinando.
A 25ª hora do meu dia, acontece quando não durmo a noite toda, ( é um desperdício dormir). Pois é. E então, naquelas contradições em que sou mestra, mal o sol raia, saio e vou até à praia. Está deserta, húmida, ainda nenhuma marca desfez a superfície perfeita da areia. Vou olhando para as marcas que vou deixando, atrás de mim. Parece um mundo de sobreviventes.
A 25ª hora do meu dia, acontece quando deitada, nua, espero que venhas, me desembrulhes, me desmanches com loucura, com os cabelos espalhados numa almofada onde as palavras ditas ao ouvidinho ficam guardadas para sempre.
Quando desces sobre mim, olhando-me nos olhos e com as mãos e as pernas me prendes, e me levas para onde ninguém esteve antes de nós.
Nunca tive a capacidade, uma capacidade que vejo espelhada em outras pessoas, para não considerar acabada qualquer coisa que acontece. Uma capacidade que pressupõe a certeza de que nunca nada é a sério, que tudo pode ser o que é, e ao mesmo tempo ser o oposto. Um sentido do infinito, do ilimitado, que eu, infelizmente não possuo. Para mim, tudo é terrivelmente limitado e finito, a começar pela vida.
Por isso as 24 horas do dia não me chegam.
Por isso lhes juntei mais uma.
A 25ª.


Eterno, é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata (Carlos Drummond de Andrade)

10 nhận xét :

Bárbara Cecília said...

Não como diria-se ai, nessa terra lusitana, aqui, diríam meus ex-aluninhos: huauuu!!!

Que texto minha cara Velvet. Amei. Também quero uma 25ª, cheia de cheiros, sentimentos, almofadas, toques, olhares e alma!

Beijos,

Sol da meia noite said...

Por agora um beijinho e um obrigada pelas tuas palavras.
Volto para te ler com a atenção que me mereces.
*

ruth ministro said...

O meu dia também parece sempre curto para as tantas coisas que eu gostaria de fazer... E quando penso em esticar o tempo, acabo por chegar à conclusão que é melhor estar quietinha, mais horas hovessem mais trabalho aparecia!...

P.S. Preciso urgentemente de férias... :)

Beijinhos, adorei o texto.

Silêncio © said...

Como adoro a minha 25 hora...
Só nunca a tinha chamado assim.
Sou considerada por muitos louca de adorar andar sozinha à noite, a passear só pelo prazer de o fazer.
De ir à praia com um frio de rachar e ver o mar que acaricia a areia suavemente...
Sentir o vento a despentear o cabelo...

simplesmente nota 1000 o teu texto. Um beijo sereno

Sol da meia noite said...

E voltei... e li... e entendo-te, entendo o teu sentir. Entendo a tua 25ª hora. Entendo as tuas 24 horas de tédio...
Direi que é na noite que me encontro, que me entendo, entendes-me?
Adorei o texto do qual destaco:
"Trabalhar a fazer o que não se gosta.
Sair cedo. Cedo na manhã branca de gelo, fria de calor humano.
Comer. O que há. Quando há.
Viver sem saber porquê. Para quê. Até quando." *

Jasmim said...

Adorei a tua 25ª hora; vou querer uma tmabém para mim.
Gosto do que escreves - com o coração - no teu blog, nos meus posts. Gosto de ti...
um beijo

Jasmim said...

só pela regadela no jasmim já eu me ri e muito. OBRIGADA! há algum tempo que não me ria sozinha.
Bjs

Afonso Faria said...

Surprendente o ritmo, a intensidade! Posso ficar só com um minuto dessa vigéssima quinta hora?

Filoxera said...

Belo texto. Comentários fabulosos e cheios de emoção, de consideração pelo que escreves. Tens o dom de nos cativar. Continua!
Quanto às legendas no meu blog, tens razão. Tentarei colocá-las; é o que dá, não ter 25 horas no dia!...
Um xi!

Alexandre said...

Gosto dessa filosofia e acho que a vou adoptar também - à noite as coisas funcionam melhor, temos os sentidos mais apurados, temos o cérebro mais virado para as coisas culturais e que nos dão prazer - o amor quase sempre acontece à noite, também!

Estou a ficar adepto da noite e da 25.ª hora. Obrigado!!!

Muitos beijinhos!!!