4 November 2007

WHAT IF?


Debatia-me eu com a dúvida de qual dos 5 Posts que tenho na cabeça ia hoje escrever, eis que me entra um comentário no Post anterior de um certo Mustafá, escrito, suponho que em Turco. É verdade que sou poliglota, mas de turco não sei dizer nadica de nada.
Confesso que até fiquei assustada. Sei lá eu! Até pode ser um terrorista... Afinal o senhor deixa-me um comentário em turco àcerca de um poema bem difícil. Fui espreitar como é o Blog dele, e, lá está ele, de bigodinho e com tudo escrito em turco.
Não estou ainda muito descansada com isto, embora a Net faça do longe perto, mas hão-de convir que não é muito normal.
Em todo o caso, tentando afastar o receiozito, e porque hoje é domingo, dia bom para ler e recordar, resolvi partilhar convosco a história da minha primeira viagem à...onde? Adivinharam. À Turquia.
Adoro viajar e conheço boa parte do Mundo, sendo que a Turquia é um País que sempre me fascinou.
Logo a seguir ao 25 de Abril, fui passar férias no Verão com o, então, homem da minha vida.
Fomos de Lisboa para Paris com a Air France, em 1ª classe, e em Paris apanhámos um avião da Turkish Airlines.
Logo que me sentei achei o assento um pouco duro, mas pensei: estou é mal habituada.
Quando percebi que não iam servir nada aos passageiros, pedi um copo de àgua a uma das Assistentes de Bordo. Lembro-me que era linda e muito simpática.
Trouxe-me tudo o que tinha: café, sumo, miniaturas de bebidas alcoólicas e até lenços de papel. De àgua, nem sombra.
É que falei todas as línguas que sei, mas ela só falava turco!
Fiquei um pouco apreensiva, porque como sei que a língua aprovada no mundo da aviação é o inglês, pensei cá para comigo: será que o Comandante também só fala turco? Então como percebe ele as ordens que vêm de terra?
Passadas umas horas, percebi que o avião ia aterrar, e a aterragem foi a pique para o chão, de tal forma que pensei que ia ficar surda para o resto da vida.
Fizeram o discurso habitual de chegada, mas em turco, donde que não sabíamos se estavamos em Istambul ou não. Resolvemos ir espreitar na porta do avião, mas o nome do Aeroporto, claro que também estava escrito em turco.
Resolvi perguntar ao Comandante, que como temia não falava inglês. Mas percebia qualquer coisa, daí que fiquei a saber que ainda não tinhamos chegado ao nosso destino.
Quando chegámos, depois de outra aterragem suicida, saímos do avião para ser recebidos por militares armados até aos dentes, que quando abrandavamos um pouco o passo a atravessar a pista, ( qual autocarros, quais mangas ), nos empurravam delicadamente com a ponta da baioneta das metralhadoras.
Soube depois que o País estava em Estado de Emergência, porque no dia anterior, um grupo de rebeldes Curdos tinha entrado no Aeroporto de Ankara e tinha morto tudo o que mexia com granadas e bombas, e acabado com os sobreviventes a tiro de metralhadora.
Achei que não tinha sido grande ideia estar ali naquele momento, mas também não podia vir-me embora no mesmo dia.
Apanhamos um táxi a cair de podre para ir para o hotel, com um motorista que falava pelos cotovelos, em turco, e que abria a porta e punha o pé de fora cada vez que queria travar.
A minha sorte, tenho que ser justa, é que o meu companheiro, muito mais velho e com 3 anos de guerra colonial, só se ria e dizia que estava tudo bem.
Quando chegámos ao hotel, que dava pelo nome de Óasis, o que fazia prever que fosse óptimo, fiquei pasmada.
É difícil descrever o hall, mas direi que para ir para o quarto se tinha que subir
as escadas porque não havia elevador, e as mesmas estavam cuidadosamente tapadas com uma passadeira de plástico.
O quarto tinha 2 divãs cobertos com chita florida, o roupeiro era uma corda esticada de um lado ao outro da parede, e na casa de banho, quando abri a torneira para lavar as mãos levei com um esguicho num olho.
Aí, sentei-me na cama chorando que nem uma Madalena e afirmei tão firmemente quanto os soluços me permitiam:- Quero ir-me embora daqui.
O Francisco olhou para mim e ainda tentou dizer:- Amanhã vamos, mas o meu foi tão sonoro, que desistiu.
Apanhámos outro táxi, cujo motorista por milagre percebia inglês, e ao pedido:
Para o melhor hotel de Istanbul, respondeu sorrindo e abanando a cabeça: Evet Hilton.
Só percebi Hilton mas achei que estávamos no bom caminho.
E estávamos.
O Hotel, rodeado de jardins maravilhosos, era todo em mármore e o que luzia era ouro.
O quarto, que mais parecia uma suite, tinha tapetes persas por todo o lado, e uma enorme varanda sobre o Bósforo.
É indiscritível a beleza daquele mar, a cor e o silêncio. E a sensação de estar na Europa a ver a Ásia e vice-versa é estranha mas gostosa.
Daquilo que vi, só uma semana de Posts daria para descrever: só em Istambul, a cada esquina há uma mesquita, ou um museu ou algo que temos absolutamente que ver. O palácio Topkapi, a Igreja de Santa Sofia, agora museu, o estreito de Bósforo, a ilha dos Príncipes, a Torre Gálata e quem pensa que sabe o que é a Mesquita Azul, desengane-se. Só vista ao vivo.
Mas não há só Istambul. Há Pamukkale, Efeso, Capadócia, Kusadasi.
Há a comida que é deliciosa. As sopas e os molhos têm na base iogurte, o que lhes dá um paladar e textura deliciosos, têm imensos pratos vegetarianos, e desde as sopas às sobremesas tudo é pantagruélico. Lembro-me especialmente de uma sobremesa que comia todos os dias, que ainda hoje me faz àgua na boca: “baklava” é o seu nome. É uma espécie de mil folhas, com uma massa folhada muito fininha, mas redondo e enorme, recheado de doce de ovos e avelãs.
As praias de àgua quente, o povo de uma simpatia extrema, enfim, tudo mas mesmo tudo na Turquia é inesquecível.
Mas, a história não acaba aqui. Era preciso voltar, fazendo o mesmo percurso, mas ao contrário.
Quando chegámos ao aeroporto havia tanta gente que pensei que houvesse uma greve ou algo parecido.
Procurei com os olhos o quadro dos voos com os horários e, espanto dos espantos: era um quadro preto, de escola, onde, DEPOIS do avião sair alguém escrevia a giz branco, o horário de saída.
Munidos dos passaportes e bilhetes ficámos na imensa fila, quando, ainda bem longe de nós, a funcionária gritou do balcão que o avião já estava cheio.
Achei que não tinha percebido bem embora ela falasse inglês, e fui até ao balcão para falar com ela. Pois não foi boa ideia: senti logo nas costas uma picadela. Era a pontinha da tal baioneta.
Como acho que eles nem perguntam primeiro e atiram logo, deixei o meu companheiro a tomar conta da bagagem sentadinho numa cadeira, e fui tratar da nossa vida.
Fui à Air France, expliquei a situação e pedi-lhe para aceitar os nossos bilhetes. Ela até aceitaria se tivesse lugares no avião, mas o mesmo estava cheio. Explicou-me então, coisa que eu desconhecia, que os turcos têm ( ou tinham ) milhares de emigrantes que naquela altura do ano voltavam para Paris, Londres e para a Alemanha.
Só daí a uma semana a Air France tinha lugares nos seus aviões e Turkish Airlines não queria saber de bilhetes confirmados. Os passageiros embarcavam por ordem de chegada.
Encostei-me ao balcão, suando frio, e juro que não era do calor.
Resta acrescentar que o dinheiro já era muito pouco ( naquela altura só se podia sair de Portugal com 20 contos por passageiro, e os cartões de crédito só eram válidos internamente. Mesmo com mais umas notinhas escondidas :) o dinheirto estava a acabar.
Pedi então à funcionária da Air France que, pelo walkie-talk, pedisse ao Comandante que me levasse no cockpit. Ela pediu, mas ele disse que não.
Fiquei ali encostada, perdida, chorando desesperada e pensando que mal chegasse a Lisboa ( se chegasse )começava a aprender turco.
De repente, no meio das lágrimas, vi aproximar-se um homem alto, loiro, lindo na sua farda azul escura cheia de galões.
Fez-se luz no meu espírito: era o Comandante.
Fungando, agarrei-o pela manga do casaco e disse-lhe:
POURQUOI NE VOULEZ VOUS PAS ME PRENDRE?
Ele olhou-me de alto a baixo e respondeu:
MAIS BIEN SÛR QUE JE VOUS PRENDS, MADEMOISELLE.
E agarrando-me na mão, levou-me para o gabinete da Air France, ofereceu-me um lenço de linho a cheirar a Eau Sauvage para limpar as lágrimas, e pediu-me que lhe explicasse a situação.
O que fiz.
Então ele chamou a funcionária e disse-lhe: MADEMOISELLE VOYAGE À PARIS, ET FAITES LE CHECK - IN EN 1ÈRE CLASSE.
Só quando, já no balcão com o maravilhoso Comandante ao meu lado, me preparava para entregar os passaportes e os bilhetes, me lembrei do Francisco. Ia-me dando uma coisa. Diria mesmo mais, uma coisinha má.
Por instantes, ENTRE LES DEUX, senti-me tentada a voar para Paris com o meu Comandante.
Mas, o raio da educação que a minha mãezinha me deu falou mais alto, e murmurei:
- NOUS SOMMES DEUX.
O Comandante olhou para mim, tirou-me os passaportes da mão, abriu-os, olhou demoradamente para a fotografia do Francisco, e disse à funcionária:
- JE PRENDS LES DEUX EN 1ÉRE CLASSE.
Deu-me um beijo e murmurou: C'EST DOMMAGE!
Aiiiiiiiii
Fui a correr buscar o contra peso ( hehe), fizemos uma viagem fantástica para Paris e antes de desembarcarmos o Comandante veio despedir-se, trocámos moradas e telefones, e ainda hoje trocamos cartões de Boas-Festas.
Quanto a mim, ainda hoje guardo o lenço de linho com cheiro a Eau Sauvage e pergunto-me: What if???

6 nhận xét :

Oliver Pickwick said...

Humm... um blog charmoso que, só pelo playback já valeria a pena visitá-lo: Over the rainbow; What a wonderful world; e, é claro, Blue velvet. Tem até Gershwin!
A propósito, também vi no seu antigo endereço, o clip Play it again, Sam! Inesquecível! Como você pode ver, até o seu blog abandonado é muito bom.
Gostei e me diverti com o seu "conflito" em "Atirei o pau no gato, ou não?"
Gostei muito, e, se não se importar, voltarei outras vezes.
Uma ótima semana pra você!

Jasmim said...

Bem estou maravilhada: eu que adoro viajar que sou muito naba a línguas eu que sou uma medricas, eu que...
Meu deus tornaste-te na minha heroína. Que hsitórias deves ter para contar. Pareces a minha amiga Lua (tenho tnatas saudades dela).
Um beijo e esquece o turco. gente doida há em todo o lado. Aqui mesmo!!! (Ih!ih! :)

Alexandre said...

Que história fascinante, uma viagem cheia de sensações e percalços - como convém!!!

Sempre senti uma grande atracção pela Turquia, porque acho que é um país que faz a ponte entre o ocidente que conhecemos e partilhamos e o oriente incógnito, desconhecido! Gostaria de lá ir um dia e além de Istambul gostaria de conhecer cidades menos divulgadas. Veremos!!!

Muitos beijinhos!!!

Silêncio © said...

Um relato simplesmente lindo e fantástico!
Fiquei pasma com o dinheiro que antigamente se podia levar...
E ainda mais pelos vôos!
Mas o final foi digno de um filme romântico.
Um beijo sereno

Sol da meia noite said...

Que viagem!...
Pelo modo como escreves, senti-me a viver todas as peripécias aqui relatadas...

Olha, também eu recebi a visita do tal senhor... estranho...

Beijinhos!!!

Mustafa Şenalp said...

istanbul :)

trkey