O silêncio que se seguiu à sua declaração permitia que se ouvisse distintamente o clic clic das luzes da àrvore de Natal que iluminava a grande sala e o crepitar da lenha na lareira.
Catarina olhou para o enorme quadro da avó materna que dominava a sala e teve a nítida sensação que ela estava de sobrolho franzido.
Desviou o olhar quando ouviu o arrastar de uma cadeira e a voz da mãe:
- A menina só pode ter bebido demais. Amanhã falamos.
Como se tivessem combinado, todos os membros da família se levantaram e se despediram como se nada se tivesse passado.
Catarina ficou sozinha a olhar para o bolo cujas velas nem tinham sido acesas.
A guerra tinha começado.
As famílias de ambos, embora não fossem íntimas conheciam-se.
O pai de Bernardo era um conhecido empresário e depois do interrogatório a que foi sujeita pela mãe, esta descobriu que era amiga de uma amiga da mãe do namorado de Catarina.
Unidas pelo objectivo que era acabar com " aquele disparate", as duas famílias começaram a jogar todos os trunfos que tinham.
Uma, porque não queria que o filho casasse com uma mulher que "podia ser mãe dele", outra porque não queria que a filha se unisse a um miúdo sem nenhuma esperança de futuro.
A Bernardo que se preparava para entrar na faculdade no ano seguinte, começou por lhe ser oferecida a hipótese de ir estudar para Nova Iorque. Perante a sua recusa, jogaram duro, oferecendo-lhe uma coisa que na altura era um sonho: um ano sabático e uma surf trip pelos locais que ele escolhesse.
A família sabia que quando Catarina metia uma coisa na cabeça era difícil dissuadi-la. Daí que optaram por não ir contra o casamento, desde que ela não tivesse o bébé que esperava.
- Afinal os casamentos desfazem-se mas os filhos ficam para sempre - era o que a mãe pensava no meio do tufão que de repente se abatera sobre a família.
Um aborto em Londres numa clínica segura, sem escândalos, era tudo o que a família pedia. E, se quisesse casar, era um capricho que logo lhe passaria.
Acontece que Catarina e Bernardo tinham outros planos e puseram-nos em prática:
Ela pediu para ser transferida para terra ficando a trabalhar no aeroporto. Abdicava da profissão que amava, mas pelo menos continuaria perto dos aviões, do cheiro característico da pista que tão bem conhecia e do movimento que adorava.
Alugaram um pequeno estúdio que foi mobilado por ela ( dado que a mesada de Bernardo foi imediatamente cortada ), e pelos amigos de ambos que embora também achassem uma loucura o que estava a acontecer, sentiam uma certa admiração pelos dois.
Bernardo começou a procurar um emprego, tarefa que se mostrou ser praticamente impossível dado que os amigos dos pais, a pedido destes, não lhe deram qualquer abertura.
O ambiente em casa de ambos era de cortar à faca. Entre as discussões e o ignorar em absoluto a sua existência, a vida deles tornou-se um inferno.
Foi no meio de enorme mal-estar que o dia do casamento chegou.
Sabendo que ninguém da família assistiria, Catarina abdicou da segunda coisa que mais tinha sonhado: o casamento por igreja. Sempre quisera entrar de braço dado com o pai na Igreja dos Salesianos no Estoril e já que nada ia ser como sonhara, resolveu fazer uma cerimónia civil só com a presença dos padrinhos.
Apesar de tudo, estava linda. Tinha escolhido um vestido branco simples, linha império, sem cauda e um pequeno véu. Levava na mão um ramo de rosas brancas.
Os padrinhos foram buscá-la a casa e a cerimónia foi absolutamente impessoal até à altura em que ela se virou para Bernardo e murmurou:
- Ainda bem que está aqui - ao que ele respondeu,
- Bem, era estranho se não estivesse. Afinal sou parte interessada - o que a fez dar uma sonora gargalhada.
Quando sairam para a rua, todos os amigos os esperavam cobrindo-os de arroz e beijos. Fizeram a festa ali mesmo, na porta da Conservatória.
Partiram para João Pessoa onde passaram a lua-de-mel.
A 1 de Abril Martim nasceu.
Desde o dia em que tinham saído de casa dos pais para casar, nenhum deles voltara a ter contacto com a família.
Catarina sustentava a casa e tinha feito uma combinação com Bernardo: as coisas manter-se-iam assim até que ele acabasse o curso. Não compensava ele estudar à noite para ganhar um ordenado irrisório, correndo o risco de nunca mais se licenciar.
Voltaram para o pequeno apartamento com o bébé e começaram a tentar organizar-se e habituar-se a situações que eram completamente novas para ambos.
Dar banho àquela coisinha que parecia ir desconjuntar-se a qualquer momento foi um tormento nos primeiros dias. Tratar do umbigo de Martim uma aflição que deixava Catarina à beira das lágrimas. Sem contar que nem um nem outro dormiam mais que 3 horas seguidas por causa da amamentação. De manhã quando acordava, Catarina só queria voltar para a cama.
Sentia falta da experiência da mãe, dos mimos do pai, da presença da família.
Invariavelmente, depois de Bernardo sair para as aulas, Catarina passava o dia a chorar.
Sentia-se cansada, revoltada, deprimida e só.
No dia 22 de Abril a meio da manhã, aproveitando que o bébé dormia, encostou-se no sofá para descansar um pouco.
Foi acordada pela campainha da porta. Como ninguém os visitava, deixou-se ficar, pensando que só podia ser engano.
Mas tocaram de novo. Levantou-se sonolenta e abriu a porta.
Diante dela estava uma mulher um pouco mais nova que ela, que segurava na sua, a mão de um menino dos seus 3 anos.
- D. Catarina?
- Sim, sou eu.
- O meu nome é Beatriz e preciso de falar com a senhora.
Catarina olhou a mulher com desconfiança. Tinha a certeza que não a conhecia de lado nenhum. O que poderia querer com ela aquela estranha?
No entanto, havia algo no semblante da criança humildemente vestida que lhe era familiar.
Sem saber bem como sair daquela situação, optou por mandar a mulher entrar para a sala.
Duas horas depois quando Bernardo chegou para almoçar, Catarina estava sentada na mesma posição em que se deixara cair no sofá depois de Beatriz sair.
Sentou-se ao seu lado e quando a beijou sentiu que ela estava gelada.
Foi uma mulher completamente desfeita e soluçando aflitivamente que Bernardo acolheu nos braços.
Nota:Continua no próximo post
Nota:Continua no próximo post
27 nhận xét :
É a primeira vez que comento: estou ansiosa para conhecer o desfecho da história!
Efectivamente gostava de deixar um comentário MAS, tratando-se de uma históriua veridica, acho que não o devo fazer. Afinal trata-se da vida privada de duas ou mais pessoas. Gosto da maneira como escreve MAS, denoto dor nas palavras. Espero estar enganado.
Bolas!! Ainda temos que esperar mais um dia com a respiração suspensa e em alvoroço??
Assim não vale....
Maravilhosa Amiga:
Uma narrativa intensa. Poderosa. Que se lê sem parar dado o seu desenvolvimento digno de um filme impressionante e admirável.
As palavras comandam harmoniosamente o trajecto da evolução do caso entre Catarina e Bernardo deixando-nos um "sufoco" de emoção e interesse.
Sabe prender e cativar na forma extraordinária como conta esta magnífica histária.
Oxalá tenha um final feliz.
Regressarei, pode crer, brilhante amiga.
Beijinhos de admiração e fascínio perante a profundidade e beleza da sua narrativa
Com respeito pela sua imensa significação pessoal e literária
pena
Peço-lhe, se não for real, dê-lhe um Happy End.
história muito comovente grande devoção ao amor, mas estou a adivinhar oruim que vem a seguir.
Então não adivinhei que a Catarina foi Mãe?
E agora o seguimento é que essa criança de tres aninhos acaba por ser filha do Bernardo...
Conta o resto depressa.
Beijinhos doces para um bom FDS.
MAS!!!!SER PAI AOS QUINZE?
a história está ao rubro, mas catarina viveu um grande amor e só por isso valeu a pena, não sei qual será o desfecho, mas estou a torcer para que tenha acabado bem.
a música é linda e liga na perfeição com o tema
Com o desenrolar dos dias abre-se a caixinha dos afectos...
beijinhos das nuvens
Ó Blue, por amor de Deus! Estou numa Net pública, leio o teu texto a beber água do luso em garrafinha pequena e no final me dizes que continua no próximo post???
Ó mulher, até parece o seriado "Conta-me Como Foi".
Vá lá, conta-me!
beijos
C Narciso,
bem vindo ao mundo da Bluevelvet.
O facto de ser uma história verídica não invalida que possa deixar um comentário...se quiser.
Obrigada pela visita.
Veludinhos azuis
Cecília,
é impossível contar tudo num só post.
Afinal é uma vida inteira...
Veludinhos azuis
Pena,
mais uma vez obrigada pela visita.
Nao posso mudar a história, exactamente porque é verídica.
Mas acho que o final lhe vai agradar.
E muito.
Beijinhos
António,
não te importas de não contar a história por mim?
rsrsrs
Veludinhos azuis
E não é que fico à espera das cenas do próximo capítulo! Eu que sou mais curiosa do que muitos gatos... A propósito das músicas de que falaste no comentário que me deixaste, também eram das que eu cantava mais, Plaisir d'amour era uma das que a minha avó preferia, dizia que parecia acompanhada por órgão de igreja e Sacco & Vanzetti marcou uma época, mas escolhi aquela porque era a que os meus amigos mais gostavam de ouvir, fez reunir gente num verão em Olhos de Água no Algarve, na rua, com o meu primo a gozar que ia passar a pedir dinheiro! Há um tempo atrás o meu filho quis que eu o ensinasse a tocar, e eu tive de desenterrar a viola, foi um sarilho voltar a lembrar-me, mas esta era uma das que melhor ficou gravada...
OK!!OK!!!
Podes até tirar os comentários se quizeres.
Um Peluchezinho branquinho para ti.
Sagitário,
não sei bem o que são finais felizes...
Vamos ver qual a sua opinião.
Veludinhos azuis
Fa,
é mesmo.
E ainda se vão abrir mais.
Beijinhos linda
Ai Pitanga,
tu desculpa!
Mas não tenho como contar isto em frases telegráficas.
Tens que ir bebendo mais umas àguinhas.
Mas só para te aguçar o apetite, sempre te digo que esta história mete China e tudo:))
Lá terás que voltar.
Beijinhos e obrigada pela visita
Fadinha,
toma cuidado porque já sabes o que aconteceu ao gato e à sua curiosidade:)))
Paciência amiga.
De facto Plaisir d'Amour é para poder cantar e tocar em qualquer lado.
Só não te conhecia esses atributos! Mas são mesmo de Fada.
Beijinhos
Bluezinha eu vou aguardar para comentar.
Para já, apenas digo que a Catarina foi muito coragosa em enfrentar a familia e assumir a sua relação.
Acho que estou ficando velho, Velvet! Concordo com o olhar carrancudo da avó da Catarina, expresso no enorme quadro.
Um beijo!
Li até aqui. Estou curiosa e acho que os teus comentários aos comentários que são deixados estão quase tão interessantes como a história.
Beijos.
Carlota,
então cá te espero domingo à noite.
Beijinhos
Oliver,
que vergonha!
Não te imaginava preconceituoso:))
Beijokas, meu velho
Filoxera,
isso são os teus olhos:))
beijinhos amiga
A narrativa continua fluida e chea de interesse...
Li e continuei a gostar...vou ler o resto:-)! Bj.
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