12 August 2008

AMOR AOS PEDAÇOS




Todos os dias morre um amor.
Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a discussões vexaminosas capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos.
Morre numa cama de hotel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios. Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos.
Morre da mais completa e letal inanição.
Todos os dias morre um amor.
Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro.
Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais doloroso do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida ensina-nos sempre alguma coisa.
E esta é a lição: amores morrem.
Todos os dias um amor é assassinado.
Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a força do escárnio, a metralhadora da traição.
A caixa com os presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio insuportável depois de uma discussão: todo o crime deixa evidências.
Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, como o Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem esconder-se debaixo da cama, ao lado do bicho papão. Outros confessam a sua culpa em altos brados e fazem de penico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime e buscam novas vítimas em salas de chat ou pistas de discotecas, sem dor ou remorso. Os mais perigosos aproveitam a sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda, com nomes paradoxais como "O Amor Inteligente" ou romances açucarados de quiosques de jornal, do tipo "A Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo para o mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.
Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.
Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão.
Estes não querem ser sacrificados e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos e definharão até se tornarem laranjas chupadas.
Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso de quando ela era novinha e ele um Elvis Presley da fase havaiana.
Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (Bah, isso não é amor. Amor vivido só da cintura pra baixo não é amor).
Existem, por fim, os amores-fênix. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, dos preconceitos da sociedade, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, dos almoços de família ao domingo, das cuecas penduradas no chuveiro, das toalhas molhadas sobre a cama e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram: teimosos, belos, cegos e intensos.
Mas estes são raríssimos e há quem duvide de sua existência. Alguns chamam-nos de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas.
É por um amor assim que espero!

46 nhận xét :

O Puma said...

não espere

conquiste

Rocket said...

ei...que post fantástico!

que amor de texto... muito bem!

muito, muito, muito bem. metralha fica melhor que tralhalhadora...

continuo a defender o amor por nós. é o mais puro.
matar esse é suicídio... mas quanto à morte de outros, pois é... há para aí uns assassinos...

beijos

Maria said...

Tu estás de todo. Ou então sou eu...
Nem acabei de ler o post.
Para a próxima avisa-me, tá bem?

beijos azuis

(agora tens uma mariquice de uma caixinha pequenina a abrir quando se abre a caixa para comentar?)
(já não te chegava a página que abre quando abrimos o blog, agora tens uma canina é?
Ai, santa paciência pra fechar isto tudo, LOL

BlueVelvet said...

Puma,
a questão é encontrar quem valha a pena conquistar.
Volte sempre.

BlueVelvet said...

Rocket,
obrigada pelo elogio.
Mas só o amor por nós não é um bocadinho redutor?
Beijinhos e veludinhos azuis

BlueVelvet said...

Maria,
tá bem. Para a próxima aviso:))
Qual caixinha? Num sei de caixinha nenhuma.
Beijinhos, querida

Anonymous said...

Este post saiu-lhe das entranhas e está lindo, lindo, lindo!
Para amenizar um pouco, apetece-me dizer que por cada amor que morre outro se levanta.
Tive uns avós que estiveram casados 75 anos.Um dia, um amigo disse-me que os tinha visto no Jardim Zoológico, sentados num banco, a beijar-se na boca. Ainda era miúdo e não consegui perceber que duas pessoas com mais de 80 anos ainda tivesssem beijos para trocar. Considerava o meu outro avô - que casou 5 vezes- mais normal...
Finalmente... o amor não se espera, conquista-se. É muito por aí que passa a sua beleza.
Conchinhas e beijinhos

f@ said...

Por causa da morte do AMOR, … todos os afectos “choram” baixinho porque tudo murcha um pouco… não sei se “nós” é que o “matamos” ou se ele adoece, e por falta de tratamento padece mto… em tristece… “chora , grita (ou sofre em silêncio – a morder a “almofada”) e expira…
Normalmente nunca há funeral, fica por ai no ar que se “(r)espira” a espi(ar) aqueles que ama…
Amores vegetais… como os caracóis???

Fénix … e a quim era do amor… que tu esperas… como se te caíssem algum dia as asas do céu … ou vais, voas… porque esperar é recear…

Este post dá asas de Fénix à tua música de fundo…
que re nasce qual pássaro de asas em chama que lavra no céu e re volve estrelas… até que as penas ressurgem leves e coloridas em voo para a cidade do sol…
beijinhos das nuvens

samuel said...

Altíssimo post!
De qualquer modo, todos os dias nascem amores fantásticos, verdadeiramente revolucionários, já que rompem com tudo... e sobretudo, decididos a serem eternos!
Um destes há-de ser o tal...

Abreijos

BlueVelvet said...

Carlos,
obrigada pelas suas palavras.
Também os meus pais estão casados há 55 anos e ainda dão beijinhos.
Mas acho que essas formas se partiram:))
Além de que a minha peneira tem uns buraquinhos muito finihos.
Resta esperar, porque para conquistar um amor assim, é preciso encontrá-lo.
E cadê?
Beijinhos e veludinhos

BlueVelvet said...

Fa,
macacos me mordam se não faço um post com os teus comentários.
Beijinhos, linda

BlueVelvet said...

Samuel,
que bom vê-lo por aqui.
Obrigada pelas suas gentis palavras.
Há que esperar, então.
Abreijinhos

Patti said...

Muito bom este post, Blue. Os meus parabéns!
Que queres que te diga mais? Acho que tens razão. Muita razão.
No meu caso, o meu amor é quase o oposto de mim em personalidade, mas é quase igual em carácter.
E tem resultado muito bem , com várias fénix's, mas com as cinzas cada vez menos cinzentas.

BlueVelvet said...

Patti,
obrigada. Gosto sempre de ouvir a tua opinião.
Ainda bem que tens esse amor.
Keep it.
Beijinhos e veludinhos

Pedro Branco said...

Espera em frente ao mar. No sossego de uma esperança que se inquieta a cada maré. Sei que um dia chegará um navio carregado de tesouros para mim. Serão piratas? Não importa. São sonhos na minha direcção. Entretanto, vou contando as ondas e ouvindo as sinfonias das gaivotas que nos anunciam o futuro. Eu sei que existo.

JC said...

Acho que este texto lhe saiu bem do fundo. Foi escrito com alma, com o vigor e com o sentir de que, ou para quem o amor é muito importante.
Se há amores eternos? Não sei. O que sei é que para existir amor ele precisa de ser regado todos os dias, a cada momento, a cada instante. Senão é como as plantas acaba por morrer.Depois mesmo que lhe queiramos dar alguma esperança de existir já não conseguimos, porque, entretanto, os ingredientes necessários para essa existência não lhe foram dados, como referi nos momentos certos.
No entanto o amor é o que de mais lindo existe no mundo.
Beijinhos

Anonymous said...

Pronto!
Não precisas de procurar mais, aqui estou:

Jotabê
http://jmsbona.blogspot.com/
email – jjblog@clix.pt

:)

BlueVelvet said...

Pedro,
só tu para achares que há-de vir do mar.
Quem sabe tens razão!
Beijinhos, poeta

BlueVelvet said...

JC,
eu sou movida a amor como outros são a outras coisas, se calhar bem mais fáceis de encontrar.
Beijinhos

BlueVelvet said...

Jotabê,
vê lá se queres que te aperte o pescoço.
Atão vens para aqui dar má fama ao meu blog que é tão decentezinho:))))
Cadê aqueles enormes comentários do costume????
Beijinhos e veludinhos azuis

Sol da meia noite said...

Tem que haver um amor que não morra...

Beijinho, minha amiga *
:-)

Maria said...

Não tendo lido o post, volto para te dizer que tens de ir à procura do amor, e não ficares sentada à espera que ele te caia do céu....
Já uma vez te tinha dito isto, acho eu...

Beijos azuis

salvoconduto said...

Amor aos pedaços?

Então eu quero um iogurte de amor.

Porcelain said...

De facto... o amor é como tudo nesta vida... para não morrer mais depressa, precisa de cuidados diários... de atenção, de mimo... de vontade... :-)))

Vim pelo blog da Su, por causa das bonequinhas da Susanne Woolcott... e dei com este post magnífico... é que está mesmo incrível...

Eu não duvido dos amores-fénix... aliás, acho que é por eles que todos os outros existem... e os amores fénix não só não socumbem a tudo o que referes como usam tudo isso como motor... espera sim por um amor assim, porque ele existe, de certeza que existe, tem de existir.

:-)))

Anonymous said...

Confesso, puro oportunismo meu.

Depois de ler esses comentários todos, carregadinhos de sentimento, alguns a roçar o que de mais belo se faz em prosa e poesia romântica, pensei que o teu coração empedernido fosse sensível e se amaciasse os instantes necessários, a ser receptível à minha singela e pura insinuação. (sim, porque toda a gente falou bonito mas ninguém se chegou à frente), (e ainda bem), (ainda mal pelos vistos)

Realço, singela e sensível, para contrapor a ideia perniciosa que a menina fez do meu comentário anterior. Jamais, repito, jamais, faria algo que intencionalmente reduzisse o carácter e elevação moral deste blog. Tenho-o, o blog, e a menina, na mais alta consideração e estima. Já o disse e reafirmo, considero o seu blog dos mais dignos, da, pelo menos, dúzia e meia de blogues que já visitei até hoje.

A minha falta é unicamente e tão só, a total ecompleta rendição à eloquência das suas palavras, ao brilhantismo dos seus raciocínios e ao incontornável brilho que este blog emana em todas as direcções. Fui oportunista sim, e não me arrependo, e podes-me apertar o pescoço à vontade e estrangular a voz, mas eu encontrarei outro local no meu corpo para gritar os meus sentimentos.

Posso não ser o príncipe encantado que a menina anseia, sou pobre eu sei, o meu nome é pequenino, (JB), muito longe d’um “Espírito Santo”, ou d’um “Mac Donald”, mas é digno, e mais do que superficialidades, o meu amor explode em com tal intensidade que faz o Mauna Loa parecer um mero géiser das furnas. E isso a menina não encontrará em mais blogue nenhum, (algum), (nunca sei em que ocasiões se usa a porcaria da forma enfática da dupla negação)

É com o coração dilacerado e arrancado ao sonho de poder embarcar na auto-estrada da vida rumo ao amor eterno, que esbarro na sintaxe da fama, que é má, diluída na esperança, nessa falsa esperança que um dia foi menina, e que se tornou mulher, que mudou de sexo e agora é fracasso, o fracasso deste meu amor.

Poema de Amor

Desnhei-te para mim
Num quadro de enfeites e mel
Da paleta das cores que usi
Só pintavam em papel

Para os teus-cabelos loiros
Usei o amarelo-torrado
Um vermelho para os lábios
Que me saiu todo borrado

Para o corpo fiquei indeciso
Era pequeno o pincel
O tom não era preciso
Tive que usar o pastel

Os braços estavam abertos
Os sovacos reluzentes
Para abraços e apertos
Tive de utilizar só cores quentes

Para as pernas foi mais fácil
Desenhei-as em linhas rectas
A cor foi mais difícil
Arranjar tom pás canétas

JB


:|

:)

Patti said...

Oh Blue, se o trovador, só ainda visitou dúzia e meia de blogs e se ficou por este, tu aproveita rapariga.

Ah e faz de conta que não leste aquela parte dos sovacos...

Sunshine said...

Esperas tu e espero eu!Infelizmente não sei se nos dias de hoje ainda nascem amores eternos.
Beijinhos com raios de Sol

Anonymous said...

Ó patti, dúzia e meia ainda são para ali uns bons dezoito blogues. Então estamos distraídas ou mal de contas?!

E depois qual é problema dos sovacos reluzentes?! Ahn!

Sovacos reluzentes, são aqueles sovacos impecavelmente depilados e intensamente hidratados, pois com um Lóreal – intense care, ou um Refil Natura, por exemplo, daí o reluzente

E depois um sovaco fica sempre bem num poema de amor, não compreendo essa do faz de conta que não leste’!!!!!

A ‘outra’ queixa-se que quer comentários grandes, um gajo esforça-se, escacha aqui o coração todo, esborteia tudo à volta com sentimentos do má lindo, vi-me e desejei-me para conseguir fazer rimar as porcarias dos versos, e depois é isto..um enxovalho de todo o tamanho

Ai não me apanham noutra, não..

:(

BlueVelvet said...

Sol,
tem que haver e há.
Olha, o dos meus pais juntos há 58 anos fiéis e felizes.
Acho é que já não se fazem amores assim.
Beijinhos amiga

BlueVelvet said...

Maria,
mas eu não ando à procura do amor.
Eu só disse que esse era o tipo de amor que queria.
Mas sei que já me disseste sim:))
Beijinhos e veludinhos azuis

BlueVelvet said...

Salvoconduto,
tenho no frigorífico, mas é magro.
Mando-te pela net...
Beijinhos

BlueVelvet said...

Porcelain Doll,
obrigada pelas visita e pelas gentis palavras.
Volte sempre.
Veludinhos azuis

BlueVelvet said...

Jotabê,
estou rendida ao teu enorme comentário.
Obrigada por me teres feito a vontade.
Ainda por cima fizeste-me rir a bom rir.
Devido à tua antiguidade neste blog tens direito a falar em sovacos...mas só desta vez!
Beijinhos corados ( sim, porque fizeste-me corar)

BlueVelvet said...

Patti,
o trovador é um ponto.
Quando lhe dá para desatinar é de morrer a rir, como viste.
Esta dos sovacos foi nova, mas deve ter sido para rimar:)
Beijinhos

BlueVelvet said...

Para todos,
obrigada pelas palavras elogiosas que todos deixaram.
Saiu assim: às vezes acontece.
Só quero esclarecer que não estou à procura de amor nenhum.
Se aparecer quero é o amor fénix para mim.
E isso não se procura: encontra-se.
Veludinhos azuis

ANTONIO SARAMAGO said...

É LINDO!!!!

Donagata said...

Fantástico este post. Adorei a análise que fez do "amor".
Penso que percorreu de forma sistemática todos os tipos de pseudo-amor que existem mais aqueles que nem amor são e os outros que nunca chegarão a ser. Os que se esvaziam e os que não foram senão ilusão. Repito, achei fabuloso.
O amor por que espera não é senão aquele por que todas ansiamos e que, por vezes, fabricamos na nossa imaginação para que a frustração não seja imensa.
Contudo, para um veludo com este nível, ele há-de chegar; real e belo como os unicórnios das lendas.

Beijos.

cecília said...

E pronto...mais uma âncora que lancei neste "blogóporto"...
O Carlos Barbosa de Oliveira bem me avisou que ao espreitar alguns dos "cantinhos" já seus conhecidos, ficaria "freguesa"... (sic).
Parabéns por este post e por permitir que cada frase no texto se desembrulhe como um rebuçado da Régua, acabadinho de fazer: uma receita simples e perfeita, que se saboreia até à última, enquanto se derrete, sílaba por sílaba, na nossa memória......

BlueVelvet said...

António,
obrigada.
Beijinhos

BlueVelvet said...

Donagata,
obrigada pelo teu comentário.
Vamos a ver se lá vou com veludos ou cetins...
Beijinhos

BlueVelvet said...

Cecília,
obrigada.
Este porto está à sua disposição sempre.
Veludinhos azuis

Justine said...

Magnífica reflexão sobre o amor! E felizes os que encontram um amor-fénix. Tem de regá-lo e adubá-lo todos os dias...
Beijo

pieces of me (Luna) said...

Amor fenix é um amor aos pedaços..porque cada dia vamus encontrando mais e mais um e outo bocadinho dele..e à medida que o tempo passa ele torna-se mais completo, mais bonito, e preenche-nos mais...
Um conselho de uma invasora sem autorizaçao?? Não o procures...ele está sempre mais perto do que aquilo que imaginamos, e nao sou nem a primeira, nem a decima pessoa com essa prova...

beijo...e boa sorte =)

titofarpas said...

Parabéns pelo texto, está espectacular.
Gostei, de uma maneira especial, do amor fénix... acho que é o que todos esperamos.
Beijos

macaw said...

acho que toda a gente anseia por um amor que dure até que a morte os separe! mas será que o amor é para toda a gente?!
é que não gosto nada da ideia de viver amores só da cintura para baixo! como disseste, isso não é amor e dói muito quando passamos muito tempo neste tipo de "amores"! faz-me perder a esperança de que um dia apareça um amor verdadeiro!

bjinhos ;)

Oliver Pickwick said...

Excelente crônica, Velvet! Um dos melhores textos que já li acerca do fim do amor. E, também, um dos melhores que já escreveu.
Um beijo!