Poucas coisas na vida real me comovem às lágrimas hoje em dia.
Desde que assisti em directo à guerra do Golfo e o meu filho mais novo me perguntou que filme era, e sempre que vejo o ataque às Torres Gémeas e eu própria acho que é um filme, desenvolvi uma carapaça que, feliz ou infelizmente, às vezes descubro é muito fininha.
Em Novembro de 1995 Isabelle Dinoire, uma francesa divorciada e mãe de duas adolescentes, tentou suicidar-se com comprimidos.
Ao vê-la inanimada, o seu cão Labrador entrou em pânico e de tanto a abanar e depois morder, decerto tentando que a dona acordasse, desfez-lhe a cara.
Isabelle foi encontrada com vida e submetida ao 1º transplante da face, no Mundo.
A dadora também se tinha suicidado.
A cara de Isabelle era praticamente inexistente tendo no lugar da boca um buraco.
Hoje tem uma cara nova, diferente da dela, mas em que quase não se notam as cicatrizes. ( Embora possua as fotografias que mostram o seu rosto desfeito e como ficou após as várias operações a que foi submetida, não as mostro, por demasiado chocantes).
Por estar inconsciente, Isabelle não se pode opor a que o seu cão fosse abatido, dado que não pode explicar, em tempo, o que se passara, facto com o qual lida mal.
Logo que voltou para casa comprou outro cão ao qual chamou ANGEL.
Diz ela que foi o único ser que não fugia quando via o seu rosto desfigurado.
Como se podem aperceber, até aqui limitei-me a relatar factos, mas há várias coisas nesta história que me comovem.
Perturba-me sempre saber que alguem se suicidou ou tentou, porque, ao contrário de muita gente, não entendo que quem o faz seja maluco.
Acho que quem chega ao extremo de atentar contra a própria vida, deve estar num sofrimento insuportável.
Perturba-me também que coincidentemente a dadora também se tenha suicidado.
Choca-me que o cão tenha sido abatido.
Mas o que mais me perturba é que Isabelle, embora tenha que fazer uma medicação fortíssima até ao fim da sua vida para evitar a rejeição do transplante, embora possa comer e beber perfeitamente, embora possa fazer a sua vida normal, o músculo orbicular, o do contorno da boca que permite aos bébés mamar, ficou irremediavelmente danificado.
Isabelle nunca mais poderá beijar ninguém!
Uma coisa tão simples, tão vulgar, um beijo. Já pensaram?
E se nunca mais pudessemos beijar quem amamos? Os nossos filhos. Os nossos pais. Os nossos amigos. O amor da nossa vida.
E no entanto, tantas, tantas pessoas negam esse simples gesto que às vezes pode salvar o nosso dia, pode ajudar-nos a enfrentar com mais coragem algo difícil, pode dar-nos a certeza de que somos importantes para alguém, pode inundar o nosso coração de alegria, de sol, de Paz.
Quantas e quantas vezes não ansiamos já por um beijo que nos foi negado?
Quantas pessoas acham lamechas, amaricado, peganhento, sinal de fraqueza, dar beijinhos ?
Pensem nisso.
Pensem se nunca mais pudessem dar um beijo a ninguém.
E aproveitem.
Beijem, beijem muito.
O beijo é flor no canteiro ou desejo na boca?
Tanto beijo nascendo e colhido na calma do jardim
nenhum beijo beijado (como beijar o beijo?)
na boca das meninas e é lá que eles estão
suspensos invisíveis